O regresso da dialética da natureza

A luta pela liberdade como necessidade

 

 

John Bellamy Foster (*)

 

 

 

É uma premissa fundamental do marxismo que, à medida que as condições materiais mudam, o mesmo acontece com as nossas ideias sobre o mundo em que vivemos. Hoje assistimos a uma vasta transformação nas relações da sociedade humana com o mundo natural-físico do qual ela faz parte, evidente na emergência do que agora é referido como a Época Antropocénica na história geológica, durante a qual a humanidade se tornou a maior força na mudança do Sistema Terra. Uma "fissura antropogénica" nos ciclos biogeoquímicos da Terra, decorrente do sistema capitalista, ameaça agora destruir este planeta como um lar seguro para a humanidade e para inúmeras espécies que nele vivem, num horizonte temporal não de séculos, mas de décadas (1). Isto exige, necessariamente, uma conceção mais dialética da relação da humanidade com aquilo a que Karl Marx chamou o "metabolismo universal da natureza" (2). A questão hoje não é simplesmente compreender o mundo, mas mudá-lo antes que seja demasiado tarde.

 

Dado que o marxismo tem sido, desde a sua conceção, em meados do século XIX, a base primária da crítica da sociedade capitalista, podia naturalmente esperar-se que fosse ele a liderar a crítica ecológica do capitalismo. Mas embora se possa dizer que os materialistas históricos e os socialistas, de uma forma mais ampla, desempenharam o papel principal e formativo no desenvolvimento da crítica ecológica - especialmente dentro das ciências - as principais contribuições da ecologia socialista, principalmente na Grã-Bretanha, tiveram lugar fora das principais tendências que iriam definir o marxismo do século XX como um todo. A partir das décadas de 1920 e 1930, surgiu um profundo abismo dentro da teoria marxista, impedindo o desenvolvimento de uma visão ecológica coerente dentro da esquerda. O dogmatismo com que, de um lado deste abismo, o pensamento soviético oficial, em meados dos anos 1930, abordou a questão da dialética da natureza e do materialismo dialético em geral, teve a sua contrapartida, do outro lado, na rejeição categórica da dialética da natureza e da conceção materialista da natureza por parte do marxismo ocidental. Falar de "O regresso da dialética da natureza: A luta pela liberdade como necessidade" é assim referir-se à transcendência, no nosso tempo, baseados no materialismo histórico clássico e no naturalismo dialético que surgiu na Grã-Bretanha no período entre guerras, das principais contradições que entravam o desenvolvimento de uma crítica ecológica marxista unificada.

 

I. O marxismo pós-lukácsiano e a crítica da dialética da natureza

 

Uma grande mudança ocorreu no pensamento marxista há quase um século atrás, após a publicação em 1923 de História e Consciência de Classe de Georg Lukács, dando origem ao que é hoje conhecido como a tradição filosófica marxista ocidental, mas que poderia, com mais precisão, ser referido como "marxismo pós-lukácsiano" (3). Lukács empregou a dialética hegeliana para argumentar que o proletariado era um mesmo sujeito-objeto da história, dando uma nova coerência filosófica ao marxismo e, ao mesmo tempo, redefinindo o pensamento dialético em termos de totalidade e mediação.

 

No entanto, no que viria a ser um traço definidor do marxismo ocidental, Lukács, em conformidade com a tradição neokantiana, rejeitou a própria noção de dialética da natureza, de Friedrich Engels, alegando que Engels tinha seguido "a pista errada de Hegel" ao ver a dialética como plenamente operacional na natureza externa (4). Lukács aplicou o princípio de Giambattista Vico de que podemos compreender a história (o reino transitivo) porque "a fizemos", e assim pode-se dizer que a reflexividade dialética é aplicável em todas essas situações. Inversamente, pela mesma lógica, não podemos compreender a natureza (o reino intransitivo) dialeticamente, no mesmo sentido, uma vez que ela é desprovida de um sujeito (5).

 

Ao mesmo tempo, Lukács, note-se, não rejeitou categoricamente a dialética da natureza em História e Consciência de Classe, subscrevendo antes, como o fez o próprio Engels, a noção de que existe uma "dialética meramente objetiva" da natureza, capaz de ser percebida pelo "observador desinteressado" (6). Isto poderia então ser visto como estando subjacente à superior dialética histórica sujeito-objeto da prática social humana. Desta forma, Lukács, seguindo Engels a este respeito, concebeu uma hierarquia de dialéticas, estendendo-se desde a dialética meramente objetiva, até à dialética da identidade sujeito-objeto, própria da história. Além disso, nos seus trabalhos posteriores, começando com o seu manuscrito sobre Seguidismo escrito apenas alguns anos após História e Consciência de Classe, Lukács haveria de tornar-se um forte defensor de uma dialética da natureza e da sociedade enraizada na teoria do metabolismo social de Marx (7).

 

No entanto, os marxistas pós-lukácsianos tomaram a rejeição categórica da dialética da natureza como um princípio definidor do marxismo ocidental e mesmo do próprio pensamento de Marx. Engels estaria, desta forma, separado de Marx. Como escreveu Jean-Paul Sartre: "No mundo histórico e social... há realmente uma razão dialética; ao transferi-la para o mundo 'natural', e ao inscrevê-la aí à força, Engels despojou-a da sua racionalidade: já não havia uma dialética que o homem produzia produzindo-se a si próprio, e que, por sua vez, produzia o homem; havia apenas uma lei contingente, da qual nada podia ser dito a não ser que era assim e não de outra forma qualquer" (8). Esta crítica foi acompanhada por uma hostilidade dirigida ao materialismo e ao realismo científico, no sentido de uma rejeição da conceção materialista da natureza, e de um afastamento em relação às conquistas da ciência (9). Por conseguinte, faltava uma análise ecológica séria na tradição filosófica marxista ocidental.

 

Embora houvesse a famosa crítica à "dominação da natureza" na obra dos teóricos da Escola de Frankfurt Max Horkheimer e Theodor Adorno, ela nunca passou de uma crítica ao iluminismo científico, apenas para conceder pessimisticamente, por fim, a sua necessidade inevitável (10). O tratamento dado por Herbert Marcuse à "Revolta da Natureza" em Contra-Revolução e Revolta não foi além da noção de dominação (e poluição) das "qualidades estéticas sensórias" da natureza como meio para o domínio da humanidade e a necessidade de uma rebelião ambiental como resposta (11). Não poderia, de facto, haver uma análise significativa da relação natureza-sociedade, onde tanto a conceção materialista da natureza como a dialética da natureza fossem negadas, deixando a teoria marxista sem uma análise dialética crítico-realista sobre a qual basear uma crítica ecológica. No máximo, dentro do discurso filosófico marxista ocidental, a relação do ser humano com a natureza foi reduzida à tecnologia, que foi então sujeita a crítica como o fetichismo positivista da técnica, divorciada da questão mais ampla do mundo natural e da relação humano-social dentro dele.

 

O que faltava numa tal abordagem unidimensional era qualquer noção da própria natureza como um poder ativo. Como escreveu Roy Bhaskar em crítica a estas tendências do marxismo ocidental: "Os marxistas [que significa aqui filósofos marxistas ocidentais] consideraram, na sua maioria, apenas uma parte da relação natureza-social, ou seja, a tecnologia, descrevendo a forma como os seres humanos se apropriam da natureza, ignorando efetivamente as formas (putativamente estudadas em ecologia, biologia social, etc.) em que, por assim dizer, a natureza se reapropria dos seres humanos" (12).

 

No entanto, um poderoso filão de dialética ecológica e de materialismo crítico e não mecanicista persistiu nas ciências naturais das Ilhas Britânicas, evoluindo a partir de uma tradição que se baseou tanto em Marx como em Charles Darwin, e que mais tarde se tornou o herdeiro da primitiva ecologia revolucionária soviética dos anos 1920 e início dos anos 1930. Foi esta "segunda fundação" do pensamento marxista no seio das ciências naturais que sobreviveu no Ocidente, particularmente na Grã-Bretanha, e que se estendeu até Marx e Engels, que deveria desempenhar o papel formativo no desenvolvimento de uma crítica ecológica, e que haveria de constituir a história principal contada no meu livro The Return of Nature (13).

 

II. De A Ecologia de Marx a O Retorno da Natureza

 

The Return of Nature (O Retorno da Natureza) tem como área central de investigação a questão das interconexões orgânicas entre o socialismo e a ecologia que surgiram no século que se seguiu às mortes de Darwin e de Marx, em 1882 e 1883, respectivamente, concentrando-se em particular nos desenvolvimentos na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos da América. Segue uma senda que foi inaugurada pelo meu livro Marx’s Ecology (A Ecologia de Marx), vinte anos antes. Esta última obra é mais conhecida pela sua explicação da teoria da fissura metabólica de Marx. Mas a verdadeira intenção do livro era explicar como se tinha desenvolvido o materialismo de Marx, voltando ao seu confronto, na sua tese de doutoramento, com a antiga filosofia materialista de Epicurus. A perspetiva ecológica de Marx, argumentou-se, tinha-se desenvolvido como uma contrapartida à sua compreensão da conceção materialista da natureza subjacente à concepção materialista da história.

 

Uma perspectiva materialista completa, como a desenvolvida por Marx, tem três aspectos: (1) materialismo ontológico, centrado na base física da realidade, independente do pensamento e da existência humana, e a partir da qual surgiu a própria espécie humana; (2) materialismo epistemológico, que é melhor entendido como crítico-realismo dialético; e (3) materialismo prático, centrado na práxis humana e na sua base no trabalho. Uma vez que Marx e Engels rejeitaram o materialismo mecânico ou metafísico, o seu materialismo era necessariamente dialéctico nos três aspectos: ontologia, epistemologia e prática (14). Em Marx, o materialismo estava intimamente relacionado com a mortalidade ("morte, a imortal") aplicável a toda a existência, definindo o mundo material (15). Nesta perspetiva derivada do materialismo grego antigo, nada vem do nada, e nada do que é destruído é reduzido a nada. O mundo social humano, na conceção de Marx, era, no sentido do materialismo epicureano, uma emergente forma ou nível de organização dentro do universo natural-material. A energia (matéria e movimento), a mudança, a contingência, a emergência de novos conglomerados ou formas organizacionais, tudo isto caracteriza o mundo físico-natural, que poderia ser explicado, em termos de si próprio, como um processo da história natural (16). A análise de Marx estava, desde o início, enraizada na teoria evolutiva da qual a teoria da selecção natural de Darwin foi o culminar no século XIX.

 

Marx, na sua crítica da economia política, acrescentou a esta visão materialista global uma concepção ecológica tripla: (1) o metabolismo universal da natureza; (2) o metabolismo social (ou a relação especificamente humana com a natureza através do processo de trabalho e de produção); e (3) a fissura metabólica (representando a destruição ecológica que se segue quando o metabolismo social entra em conflito com o metabolismo universal da natureza) (17). O processo de trabalho e de produção foi assim a chave, não só para o modo de produção numa dada forma histórica da sociedade, mas também representou a relação humana com a natureza, e, portanto, as relações sócio-ecológicas. A teoria da fissura metabólica de Marx, que foi desenvolvida pela primeira vez no contexto da fissura no ciclo de nutrientes do solo causada pela expedição de alimentos e fibras para os novos centros urbanos - onde os nutrientes essenciais, tais como azoto, fósforo e potássio, acabaram como poluição, em vez de regressarem ao solo - constituiu a tentativa mais avançada na sua época para captar a relação humano-ecológica. Todo o pensamento ecológico subsequente, até à teoria do ecossistema e à análise do Sistema Terra, haveria de estar enraizado nesta mesma abordagem essencial, centrada no metabolismo.

 

No entanto, o argumento de Marx’s Ecology deixou em grande parte por abordar a história do papel formativo desempenhado pelos pensadores socialistas posteriores a Marx na emergência da ecologia. Além disso, permaneceu a questão litigiosa da dialética da natureza, associada em particular a Engels. Estas questões haveriam ser abordadas em The Return of Nature. Embora Marx’s Ecology fosse uma tentativa direta de capturar as opiniões materialistas e ecológicas de Marx, a história contada em The Return of Nature era muito mais complexa, sobretudo porque tinha de transgredir certas divisões dentro do próprio marxismo.

 

Aqui temos de compreender que a rejeição simultânea, tanto da conceção materialista da natureza, como da dialéctica da natureza, dentro do marxismo ocidental, foi uma herança da tradição neokantiana, que teve a sua origem dentro da filosofia alemã com a obra de Friedrich Lange, de 1865, A História do Materialismo. Lange tentou usar a noção de Kant do noumenon, ou a inconhecível coisa-em-si-mesmo, como base para demolir o materialismo, um ponto de vista que foi desenvolvido de formas mais sofisticadas por neokantianos posteriores. Foi com a ascensão do neokantianismo que a epistemologia passou a ocupar o seu lugar dominante dentro da filosofia, afastando a ontologia, e também deslocando a lógica dialética associada a G. W. F. Hegel. As ideias materialistas e a ciência natural eram vistas como inerentemente positivistas. Foi novamente dado um lugar à religião e à filosofia idealista, através do noumena kantiano ou das coisas-em-si (18). Estreitamente relacionadas com isto, como observaram Marx e Engels, estavam as visões agnósticas e dualistas de cientistas britânicos como Thomas Huxley e John Tyndall (19).

 

Em oposição ao dualismo neokantiano de Lange, que rejeitou tanto o materialismo como a dialética hegeliana, Marx respondeu afirmando corajosamente: "Lange é suficientemente ingénuo para dizer que eu 'me movo com rara liberdade' em matéria empírica. Ele não tem a menor ideia de que esta 'livre circulação na matéria' não é mais do que uma paráfrase para o método de lidar com a matéria - esse é o método dialéctico" (20). Do mesmo modo, em O Capital, Marx escreveu: "O meu método dialético é, nos seus fundamentos, não só diferente do hegeliano, mas exactamente oposto a ele... Comigo... o ideal não é mais do que o mundo material refletido na mente do homem, e traduzido nas formas do pensamento" (21).

 

Ao referir-se ao reflexo do "mundo material na mente do homem", Marx não tinha em mente uma noção simplista de espelhamento, mas sim uma conceção dialética de reflexão (e reflexividade) e uma conceção situada do conhecimento, em que a razão e a agência, tanto objetiva como subjectiva, desempenham papéis centrais, dentro de uma realidade histórica em constante mudança. A posição de Marx, embora realista, era, portanto, uma forma de "realismo crítico dialético". Como Bhaskar explicou, o "método dialético de Marx, embora naturalista e empírico, não é positivista, mas sim realista... A sua dialética epistemológica [o seu realismo crítico] compromete-o a uma dialética ontológica [materialista] específica e a uma dialética relacional condicional [histórica] também" (22).

 

De um ponto de vista histórico-materialista clássico, a dialética da natureza pode ser vista como fazendo parte de uma hierarquia dialética. Assim, em termos daquilo que Marx, em O Capital, chamou "os seus fundamentos", representa o mundo material caraterizado pelo movimento, a contingência, a mudança e a evolução: a dialética como processo material. Central aqui é a noção de que a natureza (para além dos seres humanos), nos emergentes e contingentes efeitos dos seus múltiplos processos, pode ser dito ser provida de uma espécie de agência, mesmo que esta seja uma agência inconsciente. Ao nível social, a dialética pode ser vista, em termos de consciência e prática humanas, como o reino do idêntico sujeito-objeto do reino histórico-humano, representando a sociedade humana como uma forma emergente da natureza. Na sua forma alienada, sob o capitalismo, o reino humano-social parece muitas vezes ser independente do mundo material da natureza, ou mesmo ser completamente dominante sobre a natureza - embora isto seja uma falácia. Entre estes dois reinos abstratos, o do meramente objetivo e o da dialética meramente subjetiva, encontra-se o reino mediador do trabalho e da produção humana, a dialética da natureza e da sociedade (aquilo a que Lukács chamou a "ontologia do ser social"), emergindo da prática, que é, para Marx, a chave da dialética materialista (23).

 

Marx dá-nos duas formas básicas de olhar para esta mediação da natureza e da sociedade através da produção (que, para ele, no seu sentido mais lato, é responsável por toda a apropriação humana da natureza e, portanto, de toda a atividade material). Numa destas vias (mais evidente nos seus primeiros escritos, mas também aparente nos seus trabalhos posteriores, como as suas Notas sobre Adolph Wagner, escritas em 1879-80) a relação humana com o metabolismo universal da natureza é vista em termos de interacção sensual humana com a natureza, que na filosofia clássica alemã estava intimamente ligada à estética, mas que Marx ligou também à produção. A segunda está na sua teoria do trabalho e do processo de produção como o metabolismo social entre o ser humano e a natureza, representando a relação ativa do ser humano com a Terra. Para Marx, podemos conhecer o mundo, incluindo, em grande medida, o reino intransitivo para além do sujeito humano, porque fazemos parte dele através da nossa produção e da nossa existência sensual, e vivemos no contexto condicionado pelas leis da natureza, embora numa forma emergente em que as leis históricas, através de modos de produção específicos, também condicionam a existência humana, mediando entre a natureza e a humanidade (24). Engels acrescenta a isto, mais tarde, em consonância com Marx, o papel da matemática e das experiências científicas, como formas de ligação dialética da humanidade ao domínio mais vasto do "meramente objetivo", empregando métodos de inferência científica que surgem originalmente da relação material humana com a natureza (25).

 

Em essência, enquanto o neokantianismo estava enraizado numa divisão categórica entre o sujeito humano e o mundo natural objetivo - entre os fenómenos e os noumena - que não podia ser transcendida, a dialética materialista marxista estava enraizada na existência corpórea humana dentro do mundo físico, num contexto de emergência ou de níveis integrados. Aqui, o dualismo entre a humanidade e a natureza não era uma suposição fundamental, mas era visto como resultado de uma consciência alienada enraizada num sistema alienado. Podemos conhecer a natureza, como Engels escreveu em A Dialética da Natureza, porque "nós, com carne, sangue e cérebro, pertencemos à natureza, e existimos no seu seio" (26).

 

III. A dialéctica da natureza e a criação da ecologia

 

The Return of Nature, partindo de onde se deteve Marx’s Ecology, teve um duplo encargo. A narrativa histórica preocupava-se em explicar as várias formas em que tinha surgido uma tradição de análise ecológica socialista, na arte e da ciência, dominando de muitas formas a crítica ecológica da sociedade capitalista contemporânea no século decorrido após as mortes de Darwin e Marx, até à ascensão do movimento ambientalista moderno. Mas a um nível mais profundo, mais teórico, The Return of Nature preocupava-se também com as formas como uma dialética materialista da natureza, frequentemente combinada com outras tradições, tais como o romantismo radical e a teoria evolutiva darwinista, guiou o desenvolvimento da ecologia moderna, com base nos vislumbres dos pensadores socialistas. Aqui a concepção da dialéctica da natureza, nas suas várias formas - apesar da sua rejeição categórica pelos marxistas pós-lukácsianos - pode ser entendida como tendo desempenhado o papel crucial num processo de descoberta e crítica ecológica.

 

Uma estética dialética, bem como uma concepção dialética do trabalho, poderia ser vista como subjacente ao entendimento de William Morris sobre as relações natureza-sociedade. As conceções dialéticas também informaram o materialismo evolutivo e ecológico de E. Ray Lankester. Mas o fio da dialética da natureza só entra plenamente na narrativa de The Return of Nature quando o trabalho de Engels é considerado. Em muitos aspectos, a famosa afirmação de Engels de que "a natureza é a prova da dialética" é a chave, desde que compreendamos o que ele quis dizer em termos mais contemporâneos, afirmando antes "a ecologia é a prova da dialéctica" (27).

 

Embora Engels tenha sido fortemente criticado, por numerosos pensadores, por ter adotado uma visão "reflexiva" grosseira do conhecimento, uma inspeção atenta do seu trabalho mostra que tais afirmações são claramente falsas quando colocadas no contexto dos seus argumentos reais (28). Quase invariavelmente, quando Engels se refere a "reflexo", vira-se imediatamente e indica que aquilo que percebemos como objetivamente condicionado pelo mundo material que nos rodeia (do qual fazemos parte) é o resultado, não só de condições externas a nós próprios, mas também um produto do nosso papel ativo na mudança do mundo que nos rodeia e da nossa compreensão do mesmo através da nossa razão autoconsciente. As nossas regras de interferência científica, a nossa lógica, a nossa matemática, as nossas experiências científicas, a nossa modelação, todas têm as suas raízes em princípios derivados do trabalho e da produção humana; ou seja, da nossa relação metabólica com o mundo em geral. O "reflexo", como Marx e Engels o utilizam - o que invariavelmente implica reflexividade, e que é empregue por eles no sentido hegeliano, dialético - é tudo menos positivista em caráter (29).

 

Do mesmo modo, ao atribuir agência e, portanto, relações dialéticas de um tipo "meramente objetivo" à própria natureza, Engels fá-lo de uma forma que enfatiza as relações recíprocas, reflexividade, mudança, contingência, desenvolvimento, atração-e-repulsão (contradição) e emergência (ou níveis integrativos) dentro da própria natureza, confiando na complexa noção de Hegel de "determinações de reflexão", oriunda da "Doutrina da Essência" na sua Lógica (30). O objetivo é capturar as relações ativas, sistémicas e não mecanicistas que constituem o mundo natural, das quais emerge a evolução (no sentido mais lato), e das quais surge a própria humanidade. Para Engels, como para Marx, é a nossa compreensão da nossa própria posição dentro da natureza e do nosso metabolismo com o metabolismo universal da natureza que nos dá as pistas essenciais para aquelas propriedades físicas e princípios que se estendem para além de nós próprios. A este respeito, Engels não hesita em atribuir uma espécie de agência à natureza, ao próprio mundo material, entendido nos seus termos mais amplos como em movimento e constituído pela "transformação da energia" (31).

 

As conhecidas três "leis" da dialética da natureza de Engels, melhor compreendidas hoje como princípios ontológicos subjacentes, manifestaram perfeitamente esta perspetiva (32). A primeira lei, ou a transformação da quantidade em qualidade e vice-versa, é agora conhecida nas ciências naturais como "transição de fase" (ou como um "efeito limiar") e foi explicada precisamente dessa forma pelo matemático marxista Hyman Levy (33). Pode ser vista como uma referência ao fenómeno geral dos níveis integrativos ou ao surgimento de novas formas e conglomerados organizacionais dentro do mundo material, uma visão diretamente oposta às abordagens reducionistas da natureza, e que conduz a uma hierarquia de leis naturais, produto da evolução, da transformação e da mudança. Uma tal análise é essencial para toda a ciência de hoje.

 

A noção de unidade/identidade de opostos, ou o que Lukács, seguindo Hegel, chamou "a identidade de identidade e não-identidade", que desempenhou um papel tão grande na dialética marxista, visava derrubar noções de fixidez, dualismo, reducionismo, e mecanismo, concentrando-se nas contradições e círculos de retorno (“feedback loops”) que induzem a mudança transformadora (34).

 

Isto aponta então para o terceiro princípio ontológico, em que a emergência pode agora ser vista como o resultado de contradições ("o desenvolvimento incompatível de diferentes elementos dentro da mesma relação") resultantes de mudanças material-históricas, e levando à "negação da negação", uma expressão comum a Hegel, Marx e Engels. Na versão marxiana, esta frase representa a forma como o passado medeia entre o presente e o futuro no desenvolvimento material-histórico, produzindo uma dialética de continuidade e mudança (35). O próprio Engels referiu-se à "forma espiral do desenvolvimento", que ocorre quando os resíduos do passado e os elementos ativos do presente se coalescem para gerar o que Ernst Bloch chamaria o "não-ainda", ou uma realidade totalmente nova. Para Bhaskar, isto assume a forma da "ausentação de ausência", ou da ação transformadora dirigida ao que foi herdado do passado para criar uma existência futura (36).

 

Em certo sentido, a negação da negação é uma conceção histórica, evolucionária da emergência. Embora a emergência de novos níveis de organização tenha sido articulada na primeira "lei" de Engels, em termos da transformação da quantidade em qualidade e vice-versa, agora, seguindo o princípio generativo da unidade dos opostos (da contradição), assume um caráter de desenvolvimento: a emergência de uma nova forma como resultado de um processo histórico de acção recíproca ou contradição. Foi isto que Bloch quis dizer quando escreveu que a "distinção essencial entre a dialética de Hegel e todos os candidatos anteriores" era que "não se detém na unidade de contrários ou de contradições" (37). Em termos marxistas, o passado nunca é simplesmente passado, mas sim mediador entre o presente (o momento da práxis) e o futuro.

 

Desta forma, Engels, em consonância com Marx, forneceu uma dialética da natureza que foi também uma dialética da emergência (38). A sua análise reconheceu a unidade e complexidade da natureza, bem como a "mediação alienada" da natureza e da sociedade representada pelas fissuras irreversíveis impostas pelo capitalismo no próprio metabolismo da natureza (39). Isto levou à sua poderosa condenação da conquista da natureza pelo capitalismo, como se de um povo estrangeiro se tratasse, minando as condições ecológicas. Aquilo a que Engels se referiu metaforicamente como a "vingança" da natureza era evidente na desflorestação, desertificação, extinção de espécies, inundações, destruição do solo, poluição e propagação de doenças (40). Poucos outros pensadores (para lá de Marx e Justus von Liebig) no século XIX capturaram de forma tão poderosa e sucinta a dialética da destruição ecológica sob o capitalismo.

 

Ao contrário daqueles que argumentaram (mas sem qualquer garantia substantiva) que Engels procurou subsumir a dialética da sociedade humana na dialética da natureza, a sua obra A Dialéctica da Natureza, embora incompleta, foi estruturada de modo a passar da análise da "dialética meramente objetiva" da natureza, através da ciência natural, para uma base antropológica com o capítulo "O papel desempenhado pelo trabalho na hominização do macaco". Aqui a análise foi fundamentada na dialética da natureza e da sociedade, evoluindo a partir do trabalho e da produção humanos e do metabolismo social humano com a natureza (41). Isto estava em conformidade com a estrutura adotada em Anti-Dühring, na qual o argumento prosseguiu logicamente da filosofia natural para a economia política e o socialismo, com a economia política e o modo de produção sendo vistos como relativamente autónomos da dialética da natureza enquanto tal, desde que condicionados pela dialética da história humana. O que de facto mediou entre os dois, tanto para Engels como para Marx, foi o trabalho humano e a produção, ou seja, o metabolismo social. Aqui estava o verdadeiro reino material do ser humano que constitui a dialética da natureza e da sociedade, ou o que o último Lukács chamaria a "ontologia do ser social".

 

De facto, todo o pensamento crítico-dialético, abrangendo tanto a "dialética meramente objetiva da natureza", como o que se poderia chamar o seu oposto polar, a "dialética meramente subjetiva da sociedade", começou, para Engels como para Marx, com o metabolismo social humano através do trabalho e da produção, constituindo o terreno objetivo de toda a existência humana: a dialéctica da natureza e da sociedade. A autoconsciência humana exigia que o mundo objectivo se tornasse seu, mas isto só poderia ser alcançado com base em princípios ontológicos que expressassem a relação especificamente humana com o metabolismo universal da natureza.

 

Todos os nossos conceitos científicos mais fundamentais sobre a natureza extra-humana tiveram as suas origens históricas nas interações humanas com a natureza e as inferências que delas foram retiradas. Para imaginar como isto funciona, podemos voltar-nos para os antigos gregos. Empédocles, em meados do século V a.C., desenvolveu uma experiência que provou a natureza corpórea do ar invisível e imóvel, demonstrando a sua resistência. Isto influenciou as noções gregas de voo. Assim, na peça de Ésquilo Agamémnon, escrita pouco depois, quando duas águias em voo (representando as duas cabeças da casa de Atreus) são ditas remar com "remos alados a bater as ondas do vento", como os navios mais abaixo, o que se apresenta é algo mais do que uma simples metáfora poética solta. Pelo contrário, foi uma aplicação direta do princípio físico (a natureza corpórea do ar) derivado da experiência de Empédocles (42). A fim de descrever poeticamente a resistência que as asas de uma ave experimentariam em voo, Ésquilo recorreu à experiência derivada do trabalho humano, referindo-se aos remos das naves e à resistência que impulsionava as naves para a frente, enquanto se remava. Embora tal exemplo possa parecer pitoresco, e embora tenhamos hoje explicações infinitamente mais sofisticadas sobre o voo de uma ave, o que é significativo é que os princípios científicos básicos em relação à natureza externa tenham surgido, desde os primeiros tempos, através de inferências a partir de interações humanas (principalmente na produção humana) com o mundo natural; inferências que então, na famosa frase de Epicuro, tiveram de "aguardar confirmação" (43). Embora o âmbito das nossas experiências, os nossos instrumentos e as nossas interações com o universo se tenham expandido, o facto de os conceitos básicos com que abordamos os fenómenos naturais extra-humanos surgirem, primeiro e acima de tudo, da nossa própria experiência material na interação com a natureza, permanece o mesmo.

 

A análise de Engels sobre a dialética da natureza foi desenvolvida principalmente no seu Anti-Dühring, que leu a Marx tal como foi escrito em forma de rascunho (e para o qual Marx contribuiu com um capítulo, bem como com notas sobre os atomistas gregos), juntamente com a sua inacabada Dialética da Natureza (44). Foi tudo claramente provisório, um trabalho em curso e incompleto. Os cientistas socialistas britânicos que seriam fortemente influenciados pela dialética materialista de Engels consideraram-no como um grande trabalho de investigação científica, inacabado e em aberto; um trabalho que excede em muito, como observou J. D. Bernal, os trabalhos da filosofia da ciência no tempo de Engels, representados por Herbert Spencer e William Whewell em Inglaterra e Lange na Alemanha (45).

 

Para muitos dos principais pensadores socialistas britânicos do início do século XX - figuras tão variadas como Lankester, Arthur G. Tansley, Benjamin Farrington, George Thomson, Bernal, Joseph Needham, Lancelot Hogben e Christopher Caudwel - um ponto de referência fundamental era o materialismo epicureano, que era visto como oferecendo, não só uma profunda "concepção materialista da natureza", mas também, através do desvio (clinamen, declinação), o conceito de contingência, entendido como um movimento afastado de uma visão puramente mecânica do mundo. O desvio epicureano foi uma noção sublinhada por Marx na sua dissertação de doutoramento, que se tornou disponível ao público nos anos 1920 (46). Isto foi visto pelos cientistas socialistas britânicos como uma ligação a uma visão dialética do mundo e à dialética da natureza de Engels. Epicuro, como Needham enfatizou, concebeu a natureza como surgindo de si mesma, enquanto se afastava de todo o determinismo rígido (47).

 

O resultado desta Wissenschaft (um termo frequentemente traduzido como ciência, mas que também se refere ao conhecimento em geral quando abordado sistematicamente sobre qualquer tópico) histórico-materialista foi um grande renascimento do naturalismo dialético (48). Isto incluiu, para apontar apenas alguns dos muitos desenvolvimentos pioneiros:

 

(1) A tese de Lankester de que todas as grandes epidemias em animais e seres humanos na era atual são o resultado da produção humana, e do capitalismo em particular (49);

 

(2) A teoria de Haldane (em paralelo com a do biólogo soviético A. I. Oparin) sobre as origens materiais da vida - uma descoberta que estava ligada a um reconhecimento de como a vida tinha criado a atmosfera terrestre, ligada à análise da biosfera feita pelo bioquímico russo V. I. Vernadsky (50);

 

(3) O papel de Haldane na síntese evolutiva neodarwinista e a sua integração desta com a dialética da natureza baseada nos escritos de Engels (51);

 

(4) A operacionalização da dialética da natureza e da negação da negação feita por Bernal, em termos de uma teoria do papel dos resíduos na emergência de novas formas de organização inorgânica/orgânica (52);

 

(5) A teoria de Needham sobre níveis integrativos ou de emergência, abrangendo tanto a história natural como a social (53);

 

(6) A introdução, por Tansley, do conceito de ecossistema, na qual foi influenciado pela anterior análise ecológica de Lankester e pela teoria dos sistemas dialéticos do matemático marxista Levy (54);

 

(7) A refutação científica devastadora de Hogben e Haldane sobre a base genética da raça (55);

 

(8) A análise empírica precoce de Haldane, baseada nas investigações do seu pai, sobre a acumulação de dióxido de carbono na atmosfera (56);

 

(9) O papel de liderança desempenhado por Bernal na crítica das relações sociais da ciência (57);

 

(10) A tentativa de Caudwell de explorar as interconexões na dialética da arte e da ciência (58);

 

(11) A investigação pioneira de Farrington e Thomson sobre o materialismo epicureano e a sua relação com o desenvolvimento do pensamento marxista;

 

(12) a crítica de Bernal ao desenvolvimento de armas nucleares e o seu estudo sobre como isso ameaçava o fim da vida na sua forma atual (59).

 

E coletivamente, isto manifestou-se como uma crítica detalhada da degradação e destruição ecológica, integrada no trabalho de todos estes pensadores.

 

Não só as conquistas científicas e culturais associadas a estas figuras de destaque na dialética materialista, dentro dos domínios da ciência e da arte, foram de grande importância no seu tempo (embora mais tarde apagadas pela Guerra Fria), como também estiveram ligadas, de forma bastante direta, às batalhas que tiveram início nos anos 1950, com o advento do Antropoceno, em torno da sustentabilidade do ambiente natural e da ascensão do movimento ambiental. Estes desenvolvimentos ajudaram a inspirar o trabalho de cientistas de esquerda como Barry Commoner, Rachel Carson, e, mais tarde, figuras como Stephen Jay Gould, Richard Levins, Richard Lewontin, Steven Rose, Hilary Rose e Helena Sheehan, bem como analistas mais recentes como Howard Waitzkin, Nancy Krieger e Rob Wallace. A realidade é que existe uma poderosa tradição de análise histórico-materialista, dentro ou relacionada com a ciência natural, que frequentemente tem caído fora do âmbito do marxismo ocidental (60).

 

O problema aqui é bem ilustrado por um par de declarações de Perry Anderson, um dos principais teóricos e historiadores culturais marxistas na Grã-Bretanha, desde os anos 1960 até aos dias de hoje. Escrevendo na New Left Review em 1968, Anderson referiu-se à "falsa ciência... e às fantasias de Bernal" (61). O facto inegável de Bernal ter sido uma das figuras científicas líderes na Grã-Bretanha nos anos 1930 a 1960, famoso pelas suas grandes descobertas, e um marxista, reconhecido como uma das grandes luminárias intelectuais do seu tempo - mesmo que, por vezes, se desvie para uma espécie de positivismo soviético - é aqui pouco tido em conta. Mais significativamente ainda, Anderson sentiu-se obrigado a declarar, em 1983, que "os problemas da interação da espécie humana com o seu ambiente terrestre [estavam] essencialmente ausentes do marxismo clássico", excluindo assim as contribuições de Marx e Engels a este respeito, sugerindo que toda a tradição de explorações da dialética da natureza (e da natureza e sociedade) por teóricos marxistas estava fora da esfera do materialismo histórico propriamente dito (62). Posições semelhantes foram adoptadas por uma série de outros pensadores, tais como George Lichtheim, Leszek Kołakowski, Shlomo Avineri, David McLellan e Terrell Carver, todos eles procurando separar Engels de Marx e a dialéctica da natureza do marxismo (63).

 

Na medida em que esta tendência do marxismo pós-lukácsiano tinha uma base comum, tinha a ver com postulações, herdadas do neokantianismo e profundamente enraizadas nas tradições dominantes da filosofia, que rejeitavam o realismo (crítico ou não), e com ele qualquer possibilidade de uma dialética da natureza. Como é, então, que uma dialética da natureza pode ter sido tão poderosa no desvendamento dos segredos do universo? A razão é que a natureza e a sociedade não são realidades diferentes, mas são existências co-evolutivas, nas quais a sociedade está assimetricamente dependente do mundo natural maior, do qual faz parte. O nosso conhecimento da natureza, de nós próprios e do nosso lugar no mundo, deriva deste facto, estimulado em parte pela própria alienação da natureza que o sistema capitalista gerou e pela autoconsciência daí resultante. Como escreveu Needham:

 

“Marx e Engels tiveram a coragem de afirmar que isso [o processo dialético] acontece realmente na evolução da própria natureza, e que o facto indubitável de isso acontecer no nosso pensamento sobre a natureza é explicado por nós e o nosso pensamento sermos parte da natureza. Não podemos considerar a natureza a não ser como uma série de níveis de organização, uma série de sínteses dialéticas. Desde a partícula final ao átomo, do átomo à molécula, da molécula ao agregado coloidal, do agregado à célula viva, da célula ao órgão, do órgão ao corpo, do corpo animal à associação social, a série de níveis organizacionais é completa. Nada mais que energia (como agora chamamos matéria e movimento) e níveis de organização (ou a síntese dialética estabilizada) a diferentes níveis têm sido necessários para a construção do nosso mundo” (64).

 

Para Caudwell, "o mundo externo não impõe a dialética ao pensamento, nem o pensamento o impõe ao mundo externo. A relação entre sujeito e objeto, ego e Universo, é em si mesma dialética. O homem, quando tenta pensar metafisicamente, contradiz-se a si próprio, e entretanto continua a viver e a experimentar a realidade dialeticamente" (65).

 

O marxista francês Roger Garaudy colocou isto em termos epistemológicos mais simples:

 

“Dizer que existe uma dialética da natureza, é dizer que a estrutura e o movimento da realidade são tais que só um pensamento dialético pode tornar os fenómenos inteligíveis e permitir-nos lidar com eles.

 

“Isto não é mais do que uma inferência: mas é uma inferência fundada na totalidade da prática humana - uma inferência que está constantemente sujeita a revisão em função do progresso dessa prática...

 

“Na fase atual do desenvolvimento das ciências, a representação do real que emerge da soma total do conhecimento confirmado, é a de um todo orgânico num processo constante, não só de desenvolvimento mas também de autocriação. É a esta estrutura que chamamos «dialética»" (66).

 

Kant argumentou na sua Crítica da Faculdade do Juízo que, ao lidar com o mundo intransitivo da natureza para além das nossas perceções, é necessário concebê-lo teleologicamente a fim de poder dizer alguma coisa sobre ele (67). A ciência, no entanto, progrediu muito para além deste ponto e, embora por vezes ainda apresente a natureza em termos teleológicos, é mais provável que recorra a termos mecânicos, sistémicos (teoria de sistemas) ou dialéticos (68). O último destes capta mais completamente o metabolismo universal da natureza, abrangendo os seus diferentes níveis integrativos - incluindo o inorgânico e o orgânico, o extra-humano e o humano - ligados aos resultados da práxis humana.

 

IV. A dialética do Antropoceno

 

Porque é que estas questões são tão importantes hoje em dia, e porque é que existe agora um regresso à dialética da natureza? Isto tem a ver com as nossas próprias condições materiais, que são cada vez mais dominadas pela emergência planetária e pelo aparecimento do Antropoceno, começando por volta de 1945 com a primeira detonação nuclear (seguida dos bombardeamentos em Hiroshima e Nagasaki), que representou uma mudança fundamental na relação humana com a Terra. Como resultado, a dialética da natureza no século XXI é, em muitos aspectos, uma dialética do Antropoceno. A época antropocénica é designada pela ciência, embora ainda não oficialmente, como uma nova época na escala temporal geológica, após a época Holocénica dos últimos 11.700 anos. No Antropoceno, a humanidade surgiu como o principal impulsionador das mudanças no Sistema Terra. A dialética da natureza e da sociedade evoluiu assim ao ponto de a produção humana estar a gerar uma "fissura antropogénica" nos ciclos biogeoquímicos do planeta, resultando no cruzamento de várias fronteiras planetárias e representando a transgressão de limiares críticos no Sistema Terra, que definem um clima habitável para a humanidade.

 

As alterações climáticas são um desses limiares ou limites planetários. Na sua essência, a acumulação quantitativa de dióxido de carbono na atmosfera resultou numa mudança qualitativa do clima suficiente para ameaçar a existência humana, e mesmo a da maior parte da vida na Terra. Outras fronteiras planetárias que foram ultrapassadas ou estão em vias de ser ultrapassadas são representadas pela acidificação dos oceanos, a perda de diversidade biológica (e extinção de espécies), a perturbação dos ciclos de azoto e fósforo, a perda de cobertura do solo (incluindo florestas), a perda de fontes de água doce (incluindo desertificação) e a poluição química e radioativa do ambiente (69).

 

As fontes destas mudanças não são simplesmente antropogénicas (algo que não será invertido enquanto continuar a existir a civilização industrial), mas devem-se, mais concretamente, à expansão mundial do capitalismo como um sistema cumulativo orientado para o seu próprio crescimento interno ad infinitum e incorporando, a esse respeito, a mais destrutiva relação concebível com a Terra. Isto foi captado pela teoria da fissura metabólica de Marx, agora elevada ao nível de uma fissura antropogénica no Sistema Terra (70).

 

Embora tenhamos um nome amplamente aceite para a nova época geológica, caracterizada pelo papel atual da economia humana como a força geológica primária ao nível do próprio Sistema Terra, ainda não temos nome para a nova idade geológica, aninhada dentro da Época Antropocénica, que está subjacente à actual crise antropocénica. Oficialmente, em termos de idades geológicas, estamos ainda na Idade Megalaiana dos últimos 4.200 anos, que remonta a um período de mudança climática que se pensava ter destruído algumas das primeiras civilizações (embora isto seja atualmente uma questão em disputa entre os cientistas). Mas como devemos conceber a nova idade geológica associada ao início da Era Antropocénica?

 

O meu colega Brett Clark e eu, como sociólogos ambientais profissionais, propusemos o nome Capitaliniano (também referido pelo geólogo Carles Soriano como o Capitaliano) para esta primeira idade geológica do Antropoceno, o que representa o facto de ter sido o sistema-mundo capitalista a criar a atual emergência planetária (71). A única solução - na realidade, a única forma de impedir que o atual modo de produção provoque um evento de extinção do Antropoceno (ou do Período Quaternário) - é que a sociedade humana ultrapasse o capitalismo e o capitaliniano, em direção a uma era geológica futura e mais sustentável dentro do Antropoceno, que rotulámos de Comuniano, refrente a comunidade, comuna e comunal.

 

Aquilo a que se chama a dialética prática e relacional, a dialética da história, está agora, por isso, apanhada pela dialética da natureza e da sociedade, refletida na teoria da fissura metabólica de Marx. A isto foi agora dado um campo de acção mais vasto, só verdadeiramente aparente no nosso tempo, em que o metabolismo de todo o planeta, ou a dialética da natureza, está a ser afetado por uma fissura antropogénica no Sistema Terra e por formas que ameaçam a nossa própria existência, chamando a atenção para a "vingança" da natureza de Engels e para as "vinganças da natureza" de Lankester" (72).

 

É importante compreender que esta crise do Sistema Terra na idade capitaliniana está ligada à longa história de expropriação e exploração que, em conjunto, constituem a base da relação do capitalismo com a Terra e com a humanidade. Expropriação, nos termos de Marx, significava apropriação sem equivalente ou reciprocidade, ou seja, roubo. Marx falou assim do roubo da natureza subjacente à fissura metabólica (73). Mas também escreveu sobre a expropriação da terra feita à sua população, retirando-se aos trabalhadores os meios mais básicos de produção e, assim, o controlo sobre as suas próprias vidas. A idade a que Marx criticamente se referiu como "a chamada acumulação original" (assim chamada porque foi definida, não tanto pela acumulação, mas pelo roubo) foi uma idade de expropriação (74). A expropriação foi para além do roubo de terra, para além do próprio roubo de corpos humanos. Isto está associado ao que Clark e eu designámos como a "fissura corpórea", marcada pelo genocídio, escravização e colonização de muita da população mundial, subjacente às relações de exploração de classe (75).

 

Foi esta lógica mais ampla da expropriação de terras e corpos, por detrás do sistema capitalista de exploração, que deu origem à história do capitalismo racial. Este processo de expropriação também pode ser visto no roubo do trabalho doméstico das mulheres (o que levou Marx, na sua época, a referir-se criticamente às mulheres no capitalismo como escravas do lar) e na expropriação contínua, pelo agronegócio, da terra detida por trabalhadores de subsistência, principalmente camponeses. Mesmo longe do trabalho os tempos livres das pessoas, em todo o mundo, estão a ser expropriados de várias formas na sociedade acelerada e acumulativa do capitalismo digital. Hoje em dia, o capitalismo está, assim, envolvido de diversas formas na expropriação de todo o planeta e da sua população: um sistema de roubo tão extenso que a relação humana com a Terra, a própria base da existência humana, está agora em perigo de ser cortada. A alienação da natureza e a alienação do trabalho, que caracterizam o capitalismo, apontam, no fim de contas, apenas para a destruição.

 

A nossa dialética prática de hoje exige, portanto, um conhecimento da dialética da natureza e da sociedade. A dialética meramente objetiva da natureza, excluindo o sujeito humano, e a dialética meramente subjetiva da sociedade, excluindo a existência físico-natural, não são suficientes. Uma maior unidade crítica de pensamento e de acção está a ser-nos imposta. A dialética, como nos explicaram Lewontin e Levins, centra-se "na totalidade e interpenetração, na estrutura do processo, mais do que nas coisas, em níveis integrados, historicidade e contradição" (76).

 

Na Grécia antiga, os filósofos jónicos, como Heráclito, concentravam-se nos processos materiais como dialéticos. Para Heráclito, descrevendo o processo metabólico básico subjacente à vida:

 

“À medida que as coisas mudam para o fogo,

e o fogo esgotando-se

recai de novo sobre as coisas,

as colheitas são vendidas

por dinheiro, gasto em comida” (77).

 

Em contraste com os jónicos, os eleáticos, como Parménides (seguido por Platão e, muito mais tarde, por Plotino) conceberam uma dialética da ideia, ou da razão. Hegel pode ser visto como o casamento destas duas correntes vitais, construindo, a partir de toda a filosofia moderna e o Iluminismo, a sua filosofia idealista, mas dando precedência à dialética como ideia ou da razão (78). A dialética materialista de Marx voltou aos processos materiais como subjacentes a toda a realidade, conduzindo a uma dialética objetiva de mudança e da emergência, do metabolismo da natureza e da sociedade, e terminando numa dialética da história e da prática humanas.

 

Esta síntese dialética materialista, a dialética da natureza e da sociedade, continua a ser de grande importância nos dias de hoje. Como Marx e Engels observaram, em A Ideologia Alemã, vivemos numa época em que a humanidade deve lutar de forma revolucionária, não apenas pelo avanço da liberdade humana, mas também para evitar a destruição devida ao que se pode chamar de "ameaça mortal do capitalismo", para o mundo e para a vida em geral. Para Epicuro, escreveu Marx, "o mundo [a Terra] é nosso amigo" (79). A dialética materialista diz-nos que o nosso objetivo no presente momento deve ser o de criar um mundo de sustentabilidade ecológica e de igualdade substantiva, um mundo que promova o desenvolvimento humano sustentável. Mas isto começará, no nosso tempo, com uma revolução ecológica e social que nos é imposta. Hoje, a luta pela liberdade e a luta pela necessidade coincidem em todo o planeta, pela primeira vez na história da humanidade, criando uma perspetiva de ruína ou revolução: ou uma queda nas profundezas a que o capitaliniano nos trouxe, ou a criação de uma nova Idade Comuniana (80).

 

 

 

 

 

 

(*) John Bellamy Foster (n. 1953) é professor de Sociologia na Universidade de Oregon (E.U.A.) e o atual diretor da revista marxista norte-americana Monthly Review. Discípulo de Paul Sweezy e continuador da escola de pensamento crítico por este fundada (com Paul Baran e Harry Magdoff), tem publicado numerosos livros sobre a crise ecológica e sua interseção com a economia política do capitalismo, bem como sobre história do pensamento, desenvolvimentos científicos, atualidade política e muitos outros temas. Merecem destaque: The Vulnerable Planet: A Short Economic History of the Environment (1994), Marx’s Ecology: Materialism and Nature (2000), Ecology Against Capitalism (2002), The Great Financial Crisis: Causes and Consequences, com Fred Magdoff (2009); The Ecological Revolution: Making Peace with the Planet (2009), The Ecological Rift: Capitalism's War on the Earth, com Brett Clark e Richard York (2010), What Every Environmentalist Needs To Know about Capitalism: A Citizen's Guide to Capitalism and the Environment, com Fred Magdoff (2011), The Endless Crisis, com R. W. McChesney (2012), The Theory of Monopoly Capitalism (2014), Marx and the Earth, com Paul Burkett (2016), Trump in the White House: Tragedy and Farce (2017), The Robbery of Nature: Capitalism and the Ecological Rift (2020), com Brett Clark, The Return of Nature: Socialism and Ecology (2020) e Capitalism in the Anthropocene: Ecological Ruin or Ecological Revolution, com Hannah Holleman (2022). Este artigo constitui a Palestra Memorial Deutscher 2020, entregue todos os anos pelo galardoado com o Prémio Memorial Isaac e Tamara Deutscher, e que foi atribuído em 2020 a John Bellamy Foster pelo seu livro The Return of Nature. A palestra foi publicada pela primeira vez na revista Historical Materialism, Vol. 30, n.º 2 (2022): pp. 3-28. Foi revista para publicação na Monthly Review, com o consentimento de Historical Materialism e da sua editora, Brill. Todos os direitos reservados. A tradução é de Ângelo Novo.

  

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NOTAS:

 

(1) Clive Hamilton e Jacques Grinevald, “Was the Anthropocene Anticipated?”, Anthropocene Review, vol. 2, n.º 1 (2015): pp. 59–72.

 

(2) Karl Marx e Frederick Engels, Collected Works, vol. 30, (New York: International Publishers, 1975–2004), pp. 54–66.

 

(3) Georg Lukács, History and Class Consciousness, trad. Rodney Livingstone, (London: The Merlin Press, 1971); Roy Bhaskar, Reclaiming Reality (London: Routledge, 2011), p. 131.

 

(4) Lukács, History and Class Consciousness, p. 24; Martin Jay, Marxism and Totality (Berkeley: University of California Press, 1984), pp. 115–18.

 

(5) Giambattista Vico, The New Science, trad. Thomas Goddard Bergin e Max Harold Fisch (Ithaca, NY: Cornell University Press, 1976), p. 493; John Bellamy Foster, The Return of Nature (New York: Monthly Review Press, 2020), p. 17.

 

(6) Lukács, History and Class Consciousness, p. 207; Marx e Engels, Collected Works, vol. 25, p. 492.

 

(7) Georg Lukács, In Defense of History and Class Consciousness: Tailism and the Dialectic, trad. Esther Leslie (London: Verso, 2000), pp. 102–7; Georg Lukács, The Ontology of Social Being, vol. 3, trad. David Fernbach (London: The Merlin Press, 1980).

 

(8) Jean-Paul Sartre, Critique of Dialectical Reason, vol. 1, trad. Alan Sheridan-Smith (London: Verso, 2004), p. 32.

 

(9) Sebastiano Timpanaro, On Materialism, trad. Lawrence Garner (London: Verso, 1975), Karl Jacoby, “Western Marxism” in A Dictionary of Marxist Thought, ed. Tom Bottomore (Oxford: Blackwell, 1983), pp. 523–26; Lucio Colletti, Marxism and Hegel, trad. Lawrence Garner (London: Verso, 1973), pp. 191–92.

 

(10) Max Horkheimer e Theodor Adorno, The Dialectic of Enlightenment, trad. John Cumming (New York: Continuum, 1998), pp. 224, 254; Alfred Schmidt, The Concept of Nature in Marx, trad. Ben Fowkes (London: New Left, 1971), p. 156; Max Horkheimer, The Eclipse of Reason (New York: Continuum, 2004), pp. 123–27.

 

(11) Herbert Marcuse, Counter-Revolution and Revolt (Boston: Beacon, 1972), pp. 59–78.

 

(12) Bhaskar, Reclaiming Reality, p. 132.

 

(13) Foster, The Return of Nature, p. 7.

 

(14) Bhaskar, Reclaiming Reality, p. 115.

 

(15) Lucretius, On the Nature of the Universe, ed. Ronald Melville, Don Fowler e Peta Fowler (Oxford: Oxford University Press, 1999), p. 93 (III: 869).

 

(16) Anthony Arthur Long, “Evolution vs. Intelligent Design in Classical Antiquity, Townsend Center for the Humanities, 2006, disponível em berkeley.edu; Anthony Arthur Long, From Epicurus to Epictetus (Oxford: Oxford University Press, 2006); John Bellamy Foster, Brett Clark e Richard York, Critique of Intelligent Design (New York: Monthly Review Press, 2008), pp. 155–77.

 

(17) John Bellamy Foster, “Marx and the Rift in the Universal Metabolism of Nature, Monthly Review, vol. 65, n.º 7 (December 2013): pp. 1–19.

 

(18) Sobre o neokantianismo e as suas consequências para a filosofia dialética e materialista, ler Evald Vassilievich Ilyenkov, Dialectical Logic, trad. H. Campbell Creighton (Delhi: Aakar Books, 2008), pp. 289–319; Frederick C. Beiser, After Hegel (Princeton, NJ: Princeton University Press, 2014); Foster, The Return of Nature, pp. 264–69. Nas palavras de Lukács, que começou como um neokantiano, "segundo a teoria de Kant, o mundo que nos foi dado é apenas aparência, com uma transcendental e incognoscível coisa-em-si-própria por detrás dela” (Georg Lukács, Conversations with Lukács, ed. Theo Pinkus [London: The Merlin Press, 1974], p. 76).

 

(19) Marx e Engels, Collected Works, vol. 45, 50, p. 462.

 

(20) Karl Marx, Letters to Kugelmann (New York: International Publishers, 1934), p. 112. Marx estava a responder à segunda edição de Sobre a Questão dos Trabalhadores de Friedrich Albert Lange (1870).

 

(21) Karl Marx, Capital, vol. 1, trad. Ben Fowkes (London: Penguin, 1976), p. 102.

 

(22) Bhaskar, Reclaiming Reality, p. 120. Kai Heron, escrevendo de uma perspetiva lacaniano-hegeliana, declarou recentemente que a ecologia marxiana, baseada na teoria de Marx da fissura metabólica, é incapaz de "dar conta da emergência contingente de nós próprios" como "sujeitos da natureza". No entanto, em última análise, é exatamente isto o desígnio central da teoria da emergência contingente desenvolvida no materialismo histórico clássico, levada por diante pelo realismo crítico dialético de hoje (incluindo a ecologia marxista). Chamar a isto "materialismo contemplativo" não é, portanto, pertinente: hoje a questão é a formação de um sujeito ecológico revolucionário, concebido em termos do "modelo transformador da atividade social", visto como uma expressão contemporânea do materialismo histórico. Kai Heron, “Dialectical Materialisms, Metabolic Rifts and the Climate Crisis”, Science and Society, vol. 85, n.º 4 (2021): pp. 501–26; Roy Bhaskar, Dialectic: The Pulse of Freedom (London: Verso, 1993), 2, pp. 152–73.

 

(23) Georg Lukács, The Ontology of Social Being, vol. 2, trad. David Fernbach (London: The Merlin Press, 1978), pp. 6–7, 103. Escrevendo sobre "a oculta especulação da natureza em Marx" e sobre o conceito de metabolismo de Marx, Alfred Schmidt observou: "Só assim" - ou seja, através da mediação da atividade humana - "podemos falar de uma 'dialéctica da natureza'". A intenção de Schmidt era reduzir a noção de "dialética meramente objetiva da natureza", referida por Lukács em História e Consciência de Classe, à dialética da natureza e da sociedade (Alfred Schmidt, The Concept of Nature in Marx, trad. Ben Fowkes [London: New Left, 1971], p. 79).

 

(24) Ler John Bellamy Foster, “The Dialectics of Nature and Marxist Ecology”, in Dialectics for the New Century, ed. Bertell Ollman e Tony Smith (Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2008), pp. 50–82; Andrew Feenberg, Lukács, Marx, and the Sources of Critical Theory (Totowa, NJ: Rowman and Littlefield, 1981); John Bellamy Foster e Paul Burkett, Marx and the Earth (Chicago: Haymarket, 2016), pp. 50–66.

 

(25) Marx e Engels, Collected Works, vol. 25, pp. 13–14, 503; Lukács, History and Class Consciousness, p. xix.

 

(26) Marx e Engels, Collected Works, vol. 25, p. 461.

 

(27) Marx e Engels, Collected Works, vol. 25, p. 23; Foster, The Return of Nature, p. 254.

 

(28) Leszek Kołakowski, Main Currents in Marxism, trad. Paul Stephen Falla (New York: W. W. Norton, 2005), pp. 324–25; Shlomo Avineri, The Social and Political Thought of Karl Marx (Cambridge: Cambridge University Press, 1968), pp. 67, 86; Norman Levine, Dialogue with the Dialectic (London: George Allen and Unwin, 1984), pp. 10–12.

 

(29) Sobre o complexo conceito dialético de reflexo de Hegel (e a sua relação com reflexividade e refração), ler Michael Inwood, A Hegel Dictionary (Oxford: Blackwell, 1992), pp. 247-50. Para a distinção entre as conceções mecanicista e marxista da reflexo, ler Roger Garaudy, Marxism in the Twentieth Century, trad. René Hague (New York: Charles Scribner’s Sons, 1970), pp. 53-54. Lukács haveria de relacionar as origens do reflexo dialético, no sentido marxista, diretamente à práxis e à produção (o metabolismo com a natureza), afirmando: "O tipo de trabalho mais primitivo, como a extração de pedras pelo homem primitivo, implica um reflexo correto da realidade com que ele se preocupa. Pois nenhuma atividade intencional pode ser realizada na ausência de uma imagem, por mais grosseira que seja, da realidade prática envolvida" (Lukács, History and Class Consciousness, pp. xxv.) Esta visão complexa e dialética do conceito de "reflexo" teve raízes que remontam a Immanuel Kant, que escreveu sobre o "Anfíbola das Conceções de Reflexo". Ler Immanuel Kant, Critique of Pure Reason (London: J. M. Dent, 1934), pp. 191–208.

 

(30) Ler Marx e Engels, Collected Works, vol. 25, pp. 43, 493–94; G. W. F. Hegel, The Science of Logic, trad. A. V. Miller (New York: Humanities, 1969), pp. 399, 405–12, 490–91, 536; Foster, The Return of Nature, pp. 244–51; George Lukács, The Young Hegel, trad. Rodney Livingstone (Cambridge, MA: The MIT Press, 1975) p. 280; Georg Lukács, The Ontology of Social Being, vol. 1, trad. David Fernbach (London: The Merlin Press, 1978), pp. 74–82.

 

(31) Marx e Engels, Collected Works, vol. 25, p. 13.

 

(32) Marx e Engels, Collected Works, vol. 25, pp. 110–32, 356–61; Craig Dilworth, “Principles, Laws, Theories, and the Metaphysics of Science”, Synthese vol. 101, n.º 2 (1994): pp. 223–47.

 

(33) Marx e Engels, Collected Works, vol. 25, pp. 115–19, 356–61; Hyman Levy, The Universe of Science (London: Watts and Co., 1932), pp. 30–32, 117, 227–28.

 

(34) Lukács, Conversations with Lukács, pp. 73–75.

 

(35) Bertel Ollman, The Dance of the Dialectic (Urbana: University of Illinois Press, 2003), p. 17; Marx e Engels, Collected Works, vol. 25, pp. 120–32; Karl Marx, Capital, vol. 1, p. 929. A noção de negação da negação surge a partir das tentativas de Hegel de explicar negações determinantes que expressam continuidade e mudança. Ler G. W. F. Hegel, The Phenomenology of Spirit, trad. A. V. Miller (Oxford: Oxford University, 1977), p. 51.

 

(36) Marx e Engels, Collected Works, vol. 25, p. 313; J. D. Bernal, “Dialectical Materialism”, in Aspects of Dialectical Materialism, ed. Hyman Levy (London: Watts and Co., 1934), pp. 103–4; Bhaskar, Dialectic: The Pulse of Freedom, pp. 150–52, 377–78; Ernst Bloch, The Principle of Hope, vol. 1, trad. Neville Plaice, Stephen Plaice e Paul Knight (Cambridge, MA: MIT Press, 1986), pp. 9–18, 306–13; Jay, Marxism and Totality, pp. 183–86. Uma descrição da dialética como uma forma espiral de desenvolvimento foi desenvolvida por William Morris e E. Belfort Bax, provavelmente em conjugação com Engels, no seu “The Manifesto of the Socialist League”. Ler William Morris e E. Belfort Bax, The Manifesto of the Socialist League (London: Socialist League Office, 1885), pp. 11. A caraterização da dialéctica como uma espiral também aparece em E. Belfort Bax, The Religion of Socialism (Freeport, NY: Books for Libraries, 1972), pp. 2–5.

 

(37) Bloch, The Principle of Hope, vol. 1, p. 71.

 

(38) Kaan Kangal, “Engels’s Emergentist Dialectics, Monthly Review, vol. 72, n.º 6 (November 2020): pp. 18–27, John Bellamy Foster, “Engels’s Dialectics of Nature in the Anthropocene, Monthly Review, Vol. 72, n.º 6 (November 2020): pp. 1–17.

 

(39) Karl Marx, Early Writings, trad. Rodney Livingstone e Gregor Benton (London: Penguin, 1974), pp. 260–61.

 

(40) Marx e Engels, Collected Works, vol. 25, pp. 459–64; Foster, The Return of Nature, pp. 177–215, 273–87.

 

(41) Para uma crítica de Engels muito comum, a este respeito, ler Levine, Dialogue with the Dialectic, pp. 8–12. Para uma resposta, ler John L. Stanley, Mainlining Marx (New Brunswick, NJ: Transaction, 2002).

 

(42) Benjamin Farrington, Head and Hand in Ancient Greece (London: Watts and Co., 1947) pp. 11–15; Aeschylus, The Oresteia, trad. George Thomson (New York: Alfred A. Knopf, 2004).

 

(43) Epicurus, The Epicurus Reader, trad. Brad Inwood e Lloyd P. Gerson (Indianapolis: Hackett, 1994), p. 42. Epicurus era conhecido pelo seu método de inferência científica, bem como pela sua epistemologia. Alguns fragmentos dos seus escritos foram preservados sob a forma de cartas ou colecções de máximas. No entanto, todos os seus trezentos livros estão perdidos, exceto partes do seu Sobre a Natureza, que foram recuperados dos Papiros de Herculano. No entanto, temos um breve resumo do seu Cânon por Diógenes Laércio, que foi a primeira distinta obra epistemológica na antiga tradição grega. O tratamento epicureano mais intacto do método de inferência científica (recuperado dos Papiros de Herculano) foi o trabalho de Filodemo de Gádara sobre o método e os sinais. Ler Epicurus, The Epicurus Reader, pp. 41–42; Gisela Striker, “Epistemology,” in The Oxford Handbook of Epicurus and Epicureanism, ed. Philip Mitsis (Oxford: Oxford University Press, 2020), pp. 43–58; Philodemus, Philodemus: On Methods of Inference, ed. Philip Howard De Lacey e Estelle Allen De Lacey (Philadelphia: American Philosophical Association, 1941).

 

(44) Foster, The Return of Nature, p. 253.

 

(45) D. Bernal, World Without War (New York: Prometheus, 1936), pp. 1–2.

 

(46) Marx e Engels, Collected Works, vol. 1, pp. 34–107, 403–514. Como salientou o estudioso de Epicuro Cyril Bailey, Marx foi a primeira figura nos tempos modernos a reconhecer o significado do desvio de Epicuro. Cyril Bailey, "Karl Marx on Greek Atomism", Classical Quarterly, vol. 22, n.º 3–4 (1928): pp. 205–6. Marx debruçou-se sobre um amplo corpo de fragmentos ao escrever a sua dissertação (e os seus sete Cadernos Epicureanos) numa altura em que estes não tinham ainda sido previamente recolhidos, incluindo um fragmento recuperado dos papiros carbonizados da biblioteca de Herculano. Michael Heinrich, Karl Marx and the Birth of Modern Society (New York: Monthly Review Press, 2019), p. 296. Sobre a influência de Epicuro nos marxistas britânicos dos anos 1930 e 40, ver Foster, The Return of Nature, pp. 369-70. Benjamin Farrington, em particular, desempenhou um papel importante na apresentação de Epicuro aos cientistas marxistas britânicos, não só através das suas próprias obras, mas também por facilitar a leitura da dissertação de doutoramento de Marx a pensadores desta tradição. Ler Lancelot Hogben, Lancelot Hogben, Scientific Humanist (London: The Merlin Press, 1998), p. 105; Benjamin Farrington, Science and Politics in the Ancient World (London, George Allen and Unwin, 1939); Benjamin Farrington, The Faith of Epicurus (London, Weidenfeld and Nicolson, 1967); George Thomson, The First Philosophers (London: Lawrence and Wishart, 1955), pp. 311–14.

 

(47) Joseph Needham, Time: The Refreshing River (London: George Allen and Unwin, 1948), pp. 55, 124, 191.

 

(48) See Joseph Fracchia, “Dialectical Itineraries”, History and Theory, vol. 38, n.º 2 (1991): pp. 169–97.

 

(49) Ray E. Lankester, The Kingdom of Man (New York: Henry Holt, 1911), pp. 159–91; John Bellamy Foster, Brett Clark e Hannah Holleman, “Capital and the Ecology of Disease, Monthly Review, vol. 73, n.º 2 (June 2021): pp. 1–23.

 

(50) B. S. Haldane, The Science of Life (London: Pemberton, 1968), pp. 6–11; J. D. Bernal, The Origin of Life (New York: World Publishing, 1967), pp. 24–35; Richard Levins e Richard Lewontin, The Dialectical Biologist (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1985), pp. 277; Vladimir I. Vernadsky, The Biosphere, trad. David B. Langmuir (New York: Springer Verlag, 1998).

 

(51) B. S. Haldane, The Marxist Philosophy and the Sciences (New York: Random House, 1939); Foster, The Return of Nature, pp. 383–98.

 

(52) D. Bernal, “Dialectical Materialism”, pp. 103–4; Henri Lefebvre, Metaphilosophy, trad. David Fernbach (London: Verso, 2016) pp. 301–2.

 

(53) Needham, Time: The Refreshing River, pp. 233–72.

 

(54) G. Tansley, “The Use and Abuse of Vegetational Concepts and Terms”, Ecology, vol. 16, n.º 3 (1935): pp. 284–307; Levy, The Universe of Science.

 

(55) Foster, The Return of Nature, pp. 337–39.

 

(56) B. S. Haldane, “Carbon Dioxide Content of Atmospheric Air”, Nature, vol. 137 (1936): pp. 575; Foster, The Return of Nature, pp. 397, 612–13.

 

(57) D. Bernal, The Social Function of Science (New York: Macmillan, 1939).

 

(58) Christopher Caudwell, Studies and Further Studies in a Dying Culture (New York: Monthly Review Press, 1971); Foster, The Return of Nature, pp. 417–56.

 

(59) Foster, The Return of Nature, pp. 489–96; Bernal, World Without War; Bernal, The Origin of Life, pp. xvi, 176–82.

 

(60) Foster, The Return of Nature, pp. 502–26; Foster, Clark e Holleman, “Capital and the Ecology of Disease; Helena Sheehan, Marxism and the Philosophy of Science (Atlantic Highlands, NJ: Humanities, 1985).

 

(61) Perry Anderson, “Components of the National Culture”, New Left Review I, n.º 50 (1968): pp. 3–57. Compare com Eric Hobsbawm, Fractured Times (London: Little, Brown, 2013), pp. 169–83.

 

(62) Perry Anderson, In the Tracks of Historical Materialism (London: Verso, 1983), p. 83.

 

(63) A obra Marxism after Marx de McLellan reflete a tendência, não só para condenar, mas também para excluir do cânone marxista aqueles que eram vistos como estando fora da tradição marxista ocidental estritamente definida. Assim, dos marxistas britânicos até aos anos 1930 considerados em The Return of Nature, incluindo Morris, Hogben, Haldane, Bernal, Levy, Needham, Farrington, Thomson e Caudwell, apenas o último é mencionado no capítulo sobre o "Marxismo Britânico" na obra de McLellan, e mesmo assim de forma confinada a apenas duas frases. Dizem-nos que "Christopher Caudwell foi o único marxista britânico realmente original antes da guerra" - e apenas pelo seu tratamento da "literatura", não pela sua teoria da arte em geral ou pela sua análise da ciência. Ler David McLellan, Marxism After Marx (Boston: Houghton Mifflin, 1979), p. 30.

 

(64) Needham, Time: The Refreshing River, pp. 14–15.

 

(65) Caudwell, Studies and Further Studies in a Dying Culture, pp. 227 (Further Studies).

 

(66) Garaudy, Marxism in the Twentieth Century, p. 61.

 

(67) Immanuel Kant, Critique of Judgment, trad. James Creed Meredith (Oxford: Oxford University Press, 1952), pp. 50–54, 67–74, 77–86.

 

(68) A teoria dos sistemas frequentemente se cruza com a dialética. Ler Richard Lewontin e Richard Levins, Biology Under the Influence (New York: Monthly Review Press, 2007), pp. 101–24.

 

(69) Johan Rockstrom et al., “A Safe Operating Space for Humanity”, Nature, vol. 461 (2009): pp. 472–75; Will Steffen et al., “Planetary Boundaries”, Science, vol. 347, n.º 6223 (2015): pp. 736–46; Richard E. Leakey e Roger Lewin, The Sixth Extinction (New York: Anchor, 1996).

 

(70) Hamilton e Grinevald, “Was the Anthropocene Anticipated?”, p. 67.

 

(71) John Bellamy Foster e Brett Clark, “The Capitalinian: The First Geological Age of the Anthropocene, Monthly Review, vol. 73, n.º 4 (September 2021): pp. 1–16; Carles Soriano, “On the Anthropocene Formalization and the Proposal by the Anthropocene Working Group”, Geologica Acta, vol. 18, n.º 6 (2020): pp. 1–10.

 

(72) Marx e Engels, Collected Works, vol. 25, p. 461; Lankester, The Kingdom of Man, pp. 159–91.

 

(73) Marx, Capital, vol. 1, pp. 637–38.

 

(74) Marx, Capital, vol. 1, p. 871; John Bellamy Foster e Brett Clark, The Robbery of Nature (New York: Monthly Review Press, 2020), pp. 43–61. Marx preferia fortemente o conceito de "expropriação original" a "acumulação original", uma vez que o que estava em causa era a expropriação e não a acumulação. Ler Karl Marx, “Value, Price, and Profit”, in Karl Marx, Wage-Labour and Capital/Value, Price and Profit (New York: International Publishers, 1935), p. 38.

 

(75) Foster e Clark, The Robbery of Nature, pp. 78–103.

 

(76) Lewontin e Levins, Biology Under the Influence, p. 103.

 

(77) Heraclitus, Fragments, trad. Brooks Haxton (London: Penguin, 2001), p. 15.

 

(78) Bhaskar, Dialectic: The Pulse of Freedom, pp. 115–16; Thomson, The First Philosophers, pp. 271–95.

 

(79) Marx e Engels, Collected Works, vol. 5, p. 141. Ler também Walter Baier, Eric Canepa e Haris Golemis, eds., Capitalism’s Deadly Threat (London: The Merlin Press, 2021).

 

(80) "A verdadeira 'idade de ouro' da antropologia histórica não pode ser concebida sem uma igualmente real 'idade de ouro' de uma nova cosmologia humanista" (Bloch, The Principle of Hope, p. 138.).