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Dezanove teses
Ben Seattle (*)
Parte I 1. 2. 3. 4. (A) A camada dos sindicalistas de carreira, os profissionais da caridade, as personalidades mediáticas humanistas, fazedores de opinião esclarecidos e quejandos (por vezes reunidos na tendência política social-democrática), todos se opõem ao conceito de poder dos trabalhadores porque ele ameaça interesses fundamentais da burguesia que, essencialmente, todos eles são pagos para defender. (B) Numerosas pequenas formações da esquerda “dura” opõem-se ao desenvolvimento de uma concepção realística de poder dos trabalhadores no contexto das condições históricas contemporâneas – porque uma tal concepção tenderá a dissolver a especial “cola sectária” (isto é, crenças especiais, totens tribais e tabus) que definem as suas organizações e as mantêm unidas. Estes grupos sectários frequentemente levam a cabo trabalhos bastante úteis, mas têm uma vida interna similar à de um culto. Essencialmente, concebem o poder dos trabalhadores como uma sociedade baseada no “controlo do pensamento”: um Estado policial onde o monopólio do pensamento político é imposto por um regime de partido único, que domina como um poder feudal e suprime toda a oposição séria. A história prova que tais sociedades: (i) tendem a ser politicamente inertes; (C) A esmagadora maioria dos activistas de esquerda e progressistas ou se opõe terminantemente à colocação do poder dos trabalhadores no centro da agenda política ou manifesta-se muito desconfortável com este conceito. Esta oposição/desconforto é um produto dos items (A) ou (B) acima referidos. 5. 6. 7. 8.
Parte II 9. 10. Isso não é tudo. A primeira vaga começou também a ter o seu impacto no desenvolvimento de movimentos progressivos: (A) Tornando mais fácil mobilizar activistas para acções militantes como a cimeira da OMC de Seattle em 1999 ou, mais recentemente, Gotemburgo, Barcelona e Génova. (B) Através da emergência de milhares de sítios na rede e de centenas de listas de correio é agora mais fácil para os activistas ultrapassar o seu isolamento, coordenar as suas acções e formar comunidades. Finalmente, deve ser notado que a primeira vaga, na forma do fenómeno Napster/MP3, colocou dezenas de milhões de adolescentes em conflito directo com as leis capitalistas de “propriedade intelectual”. As presentes escaramuças nesta frente são o prelúdio de uma luta de será imensa e prolongada. 11. (A) Funcionalidades melhoradas (e custos diminuídos) em aparelhos sem fios – por exemplo, acesso à rede, as mensagens de texto que os adolescentes criam com os seus polegares e a capacidade para captar e transmitir imagens. (B) Rádio Internet para automóveis (de momento as únicas vozes iradas de comentário político radiofónico são da extrema-direita, mas isso não será assim quando vozes progressistas estiverem disponíveis para milhões de ouvintes). (C) A eventual fusão da televisão e da rede, que se seguirá à instalação em larga escala de cabos e linhas telefónicas de banda larga. Isto permitirá, pela primeira vez, que pessoas comuns vejam, a partir de suas casas, transmissões ao vivo de reuniões progressistas e militantes, que são rotineiramente ignoradas ou censuradas nos grandes media e nas grandes corporações noticiosas. (D) Reconhecimento de voz mais tradução automática (ainda numa fase incipiente, mas que um dia se tornará prática) permitirá às pessoas comunicar, superando barreiras de distância e língua. O reconhecimento de voz, em particular, tem o potencial de abrir canais de comunicações com centenas de milhões de pessoas que são mantidas analfabetas. (E) Acima de tudo há que esperar que a vulgarização destas tecnologias de comunicação, à medida que elas se forem tornando baratas, as torne acessíveis à metade da humanidade que hoje nunca sequer usou ainda um telefone. 12. 13. A revolução industrial criou o proletariado moderno. A revolução nas comunicações permitirá a esse proletariado tornar-se auto-consciente e levará ao derrube do sistema de poder da burguesia. A criação e produção em série de aparelhos digitais de comunicação “tão baratos como areia” trará, primeiro, centenas de milhões, e depois, eventualmente, biliões de pessoas para o contacto com a “medioesfera” digital que, embora inicialmente dominada pelos fabricantes de cultura de consumo em massa, ao estilo hollywoodiano, incluirá canais criados pelo proletariado e pelos oprimidos, para o proletariado e para os oprimidos. Estes canais proletários, pequenos ao princípio, crescerão em popularidade – e resistirão à censura – porque a sua supressão implicaria mutilar e tolher o crescimento da própria Internet – a qual se torna cada vez mais o coração e o centro de todas as economias modernas. Estes canais, interactivos (isto é, de dois sentidos) por natureza, alimentar-se-ão das experiências de vida de centenas de milhões de trabalhadores e oprimidos. Rasgarão o véu de ideologia e de mentira burguesa que esconde todas as coisas. Pela primeira vez na história, a maioria da humanidade sofredora terá acesso a uma compreensão clara, completa e rigorosa sobre o que está mal no mundo. Com base numa análise de classe, poderá então coordenar as suas acções de modo a pôr fim ao poder da burguesia e construir um mundo sem fome, sem miséria e sem guerra. 14. (A) Transparência – A tendência emergente será que todos os factos importantes, as análises mais relevantes, os argumentos chave, estarão ao alcance de quem os quiser conhecer. Nada de importante poderá ser mantido oculto. A verdade virá à superfície. A informação que é decisiva tenderá a quebrar todas as barreiras, todos os filtros e todas as cortinas de fumo. A informação que é importante será descoberta por alguém, aqui ou ali, e será trazida à atenção de todos. Qualquer imundo massacre de guerra, qualquer golpe de mão da CIA, qualquer truque sujo das grandes multinacionais (ou dos seus políticos estipendiados) será exposto. Todos os grandes crimes encontrarão um artista que os celebrará numa canção. Dentro dos próprios movimentos progressistas, a natureza e a influência da aristocracia laboral será denunciada. Todas as mentiras, manobras inescrupulosas, hipocrisias e charlatanismos se encontrarão expostos à crua luz do Sol. (B) Guerra de Informação – O termo “guerra de informação” é usado hoje frequentemente com referência ao uso deliberado de vírus informáticos ou a ataques contra sistemas de computadores. Com o tempo, porém, o sentido deste termo deslocar-se-á para servir de descrição a um fenómeno muito mais profundo: uma batalha organizada de ideias, uma luta pelo acesso à consciências das grandes massas, que as trará a elas próprias para o debate, sendo alimentada pela sua energia e pela sua paixão. A mente humana é o computador mais poderoso de todos. E o vírus mais poderoso é a ideia de que as leis do mercado e da produção mercantil não estão destinadas a dominar a humanidade para sempre, mas se extinguirão gradualmente, no decurso dos acontecimentos que se desenrolarão neste século XXI. 15. Os canais proletários devem ser vistos, acima de tudo, como canais entre activistas progressivos, por um lado, e as massas, por outro. Estes canais não serão certamente de sentido único. Energia revolucionária em vastas e sempre crescentes quantidades fluirá em ambas as direcções. Estes canais reduzirão a distância entre as organizações revolucionárias e as massas, colocando estas na posição de se constituírem como árbitros nas disputas entre aquelas. As massas estarão no centro dos processos que conduzirão à dissolução de organizações revolucionárias disfuncionais e à criação de novas organizações em bases mais sadias. Organizações que falhem na reposta ao constante escrutínio crítico, ou que actuem de forma inescrupulosa, perderão a sua reputação, sendo preteridas na atenção das massas por aquelas organizações que admitam e corrijam os seus erros. Em especial, os canais proletários servirão para concentrar os elementos revolucionários que emergem das próprias massas. Milhares (e eventualmente centenas de milhares) de repórteres voluntários serão recolhidos entre a audiência de massas, participarão nas lutas do dia, conhecer-se-ão uns aos outros por reputação, orientarão o debate científico sobre as questões candentes e contribuirão, com as suas convicções, para a criação de organizações revolucionárias. Os partidos revolucionários de massas que organizarão o derrube do poder da burguesia no século XXI, cristalizar-se-ão, provavelmente, durante o processo de criação destes canais proletários e usá-los-ão, por sua vez, para expandir a sua influência. 16. Em primeiro lugar, os canais electrónicos serão interactivos. Os fóruns e comunidades de opinião que serão criados resultarão num relativamente rápido “metabolismo informativo” (isto é, a reunião de factos relacionados e a digestão de argumentação científica) dos assuntos correntes, à medida que visões opostas entram directamente em confronto umas com as outras, na presença catalizadora de uma audiência exigente em integridade científica. Em segundo lugar, os canais electrónicos diferirão da agitação em papel na sua escala. O formato electrónico facilitará uma muito mais larga audiência e, além disso, permitirá a numerosas organizações (mesmo organizações competidoras e hostis) agregar os seus conteúdos, de modo a melhor fazer face, colectivamente, aos serviços noticiosos da burguesia. O resultado será uma base de dados comum de agitação, que servirá como espinha dorsal de uma muito grande variedade de publicações em papel. A resultante coopetição (isto é, cooperação e competição em simultâneo) dos vários grupos ajudará a quebrar as barreiras sectárias que existem entre eles, e facilitará a eventual criação de um pólo de atracção baseado num eixo anti-reformista, que reconheça a necessidade de independência em relação à aristocracia laboral e aprenda a opor-se efectivamente à influência destes defensores dos interesses da burguesia. 17. Um tal serviço noticioso é agora possível. Ele pode e deve ser construído com uma mínima dependência em relação a dinheiro ou direitos de propriedade intelectual. Deve ser aberto a todos os contributos e deve fazer uso experimental de formas de filtragem colaborativa, de forma a operar a separação entre ruído e sinal, o lixo e a informação valiosa. Estes serviços noticiosos do domínio público serão eventualmente capazes de competir com as mais poderosas organizações noticiosas proprietárias, e posicionar-se-ão para as esmagar depois, do mesmo modo que os projectos de “software livre” como o Linux se posicionam já para esmagar os sistemas operativos criados pela Microsoft. Os canais proletários, como o projecto Linux, serão baseados de forma esmagadora no trabalho voluntário. Este é o segredo da sua eventual vitória: quantidades massivas de trabalho livre, prestado por residentes em todas as cidades do mundo com uma significativa população ligada à rede. Para todos aqueles que lutam por ver um caminho em frente, será um serviço noticioso livre e aberto.
Parte III 18. Na sequência da degenerescência da revolução de Outubro de 1917 num Estado policial - em que um único partido exercia um monopólio do poder e controlava as ideias políticas que podiam expressar-se, conhecer-se e defender-se – não há praticamente nenhuma concepção de poder dos trabalhadores conhecida que possa superar o “teste de estupidez”. Isto é, que possa ser assumida por pessoas que não tenham sido sujeitas a uma lobotomia e/ou que não estejam de má fé. De forma a limpar o terreno para um nascente movimento de massas que vise derrubar o poder da burguesia, temos que começar por destruir três mitos ou falsas concepções muito comuns. Estes três mitos nasceram da experiência da revolução de Outubro e foram ligados, de forma abusiva, ao nome de Lenine. O primeiro mito que temos que destruir é o de que, durante o período de poder dos trabalhadores, o partido dos trabalhadores e o Estado dos trabalhadores estarão fundidos, ou que um destes ramos é completamente controlado pelo outro, o que vem a dar no mesmo. O segundo mito é o de que haverá um único partido dos trabalhadores. O terceiro mito é o de que a necessária repressão às aspirações restauracionistas da burguesia derrotada requererá a repressão do direito dos trabalhadores a: Do ponto de vista da teoria científica, as funções do partido e as do Estado são completamente diferentes. O partido mobiliza pessoas numa base voluntária. Enquanto o Estado, por sua própria natureza, está baseado na coerção, na força. A organização política da classe trabalhadora não assumirá a forma de um partido monolítico que se erga unido contra o resto da sociedade. Pelo contrário, a organização política dos trabalhadores (quer lhe chamemos um sistema de partidos ou um partido composto por um sistema de tendências) concentrará em si as contradições existentes no seio da classe trabalhadora e funcionará como uma arena de luta aberta em que todas as partes pretenderão influenciar a consciência das massas e mobilizar a sua energia. Uma vez que tomemos consciência de que os interesses da classe trabalhadora serão representados por um sistema de partidos (ou, equivalentemente, por tendências interdependentes no seio de uma organização mãe), então a correcta relação entre estes partidos e o Estado dos trabalhadores torna-se mais clara. Os partidos empenhar-se-ão numa luta aberta entre si, por forma a ganhar o apoio das massas para os seus princípios e ganhar posições no seio do Estado dos trabalhadores. A competição entre múltiplos partidos dos trabalhadores por posições de liderança no aparato estatal é consistente com a experiência da primeira ditadura do proletariado: a Comuna de Paris de 1871. É também consistente com a experiência da revolução de Outubro de 1917, antes da guerra civil, a qual começou no Verão de 1918, destruiu a economia e tornou necessária a tomada de uma série de medidas de emergência extremamente duras. Temos de compreender que uma luta política complexa continuará após a derrota inicial da burguesia. Conduzir esta luta em espaço aberto, à vista das massas, em condições nas quais as várias forças contendoras estão empenhadas numa competição aberta pelo apoio das massas – tudo isto permitirá uma máxima mobilização de energia para ajudar a destrinçar quem são (e quem não são) os genuínos amigos da classe trabalhadora. Como haverá muitos grupos diferentes, com agendas conflituais, haverá necessidade de frequentes consultas para medir o apoio popular dos vários princípios ou plataformas em disputa. As “eleições” sob o poder dos trabalhadores envolverão tanto votações formais (em urnas ou clicando em páginas da rede) como marchas nas ruas e vigorosas campanhas e debates nos meios de comunicação. A experimentação, sem dúvida, será usada para achar os métodos que mais encorajem o livre fluxo e confronto de informação proveniente de todos os lados, mobilizando as paixões e energias das massas e envolvendo-as nos debates sobre questões e princípios decisivos. Os métodos usados por um governo revolucionário dos trabalhadores, no século XXI, para defender a sua existência, terão muito pouco a ver com os métodos extremos usados na Rússia do tempo de Lenine, um país então desesperadamente atrasado, campestre, com uma economia destruída, que os países imperialistas estavam determinados a estrangular. É esta mudança de foco que é preciso operar, se queremos avançar teoricamente no debate sobre como poderão os trabalhadores dirigir uma sociedade moderna, após o derrube da burguesia. Sem esses avanços teóricos, nunca se desenvolverá nas massas a convicção de que um mundo sem escravos assalariados é possível e nunca haverá assim uma ideia central unificadora à volta da qual se possa construir um movimento de massas apostado no derrube do poder da burguesia. A mais interessante questão teórica a resolver é a seguinte: sem o uso de uma odiosa polícia de pensamento, como poderão os trabalhadores (na era da Internet e da revolução nos meios digitais de comunicação) impedir que os pontos de vista e a ideologia burguesa dominem os meios de comunicação de massa e a cultura? Haverá, sem dúvida, muitas dificuldades no período após o derrube do poder da burguesia. Por razões económicas profundas (a maioria das quais relacionadas com o facto de que será necessário aos trabalhadores algum tempo para aprender a dirigir a economia melhor que a burguesia), continuará a existir uma classe burguesa, durante um período considerável. Esta classe, e os indivíduos que a compõem, disporão de recursos consideráveis, influência e capacidade de pressão – e tentarão organizar campanhas de toda a espécie para convencer as massas de que elas estavam melhor sob o jugo da burguesia, devendo lutar pela sua restauração. Para além disso, permanecem espalhados por toda a sociedade fortes resíduos da visão do mundo burguesa e dos seus preconceitos, os quais continuarão a existir ainda por um certo período de tempo. Como poderá então a classe trabalhadora, após o derrube do poder da burguesia, combater a influência dos resquícios organizados desta classe e a omnipresença da sua ideologia? A classe trabalhadora, aproveitando a emergente revolução nas comunicações, organizar-se-á e pensará por si própria os seus problemas. Questões como esta atrairão então, sem dúvida, a atenção que lhes é devida e serão resolvidas. Mas mesmo hoje pode-se já oferecer um esboço de resposta. Todos os indivíduos terão direito a livre expressão, possibilidade de dizer o que muito bem lhes apeteça. Para além disso, terão o direito a organizar-se em grupos para promover as suas ideias e, em particular, para criticar e mobilizar oposição popular contra o que considerem ser incompetência, hipocrisia e corrupção de oficiais públicos ou da política governamental. Indivíduos e organizações terão também direito a promover ideias que estão erradas, que são pouco sadias, prejudiciais ou reaccionárias. Mas às grandes empresas, ou a pessoas com dinheiro e recursos (que continuarão a existir durante um período considerável), não será permitido comprar posições de influência na esfera dos meios de comunicação. Os meios de comunicação comerciais (isto é, criados com trabalho assalariado e outros recursos mercantis) serão sujeitos a controlo. A criação e promoção de campanhas doentias, preparadas por hordas de empregados pagos, que saturem o espectro electromagnético e as capas de revistas para promover ou publicitar produtos, políticas, atitudes ou visões do mundo odiosos e pouco saudáveis – serão objecto de oposição firme por parte das massas, sem por em causa a liberdade de expressão. Os ideólogos burgueses serão:
Por outro lado, os meios de comunicação livre (isto é, criados por trabalho voluntário, não pago) não serão controlados nem regulados pelo Estado dos trabalhadores. Pelo contrário, à auto-expressão das massas e à das suas miríades de organizações independentes, será dado o máximo de apoio – técnico e outros - e encorajamento possíveis, por parte de um Estado dos trabalhadores que não terá necessidade de nenhuma polícia do pensamento, pois que se apoia precisamente na guerra de informação conduzida pelas massas, abrindo as comportas para a máxima libertação da sua iniciativa e energia revolucionárias.
Parte IV 19. Quais as principais contradições subsistentes. Enumeremos algumas: 1) Consumo vs. investimento 2) Desenvolvimento local e internacional 3) Eco-sistemas vs. Desenvolvimento 4) A “economia da dádiva” vs. outros sectores A “economia da dávida”, inicialmente pequena, expandir-se-á a acabará por absorver todo o resto da economia. Esta economia da dádiva não fará uso de dinheiro (ou qualquer forma de troca) nem de planificadores centrais todo-poderosos, para tomar decisões sobre o que produzir e como produzi-lo. Consistirá antes num grande número de unidades económicas interdependentes que, entre si, competirão e cooperarão ao mesmo tempo. O resto da economia consistirá em dois sectores: o capitalista privado e o capitalista estatal. Qual será a distinção entre os sectores capitalistas privado e estatal? No período inicial, após a vitória da classe trabalhadora sobre a burguesia, muitas (ou mesmo a maioria) das grandes empresas capitalistas será expropriada. A velocidade a que estas expropriações se processarão dependerá de muitos factores, incluindo o tempo de que os trabalhadores necessitarão para aprender a dirigir efectivamente estas empresas. É muito importante, porém, compreender que as empresas expropriadas pelo Estado continuarão a representar uma forma do modo capitalista de produção. Por exemplo, muitas destas empresas farão uso do dinheiro ou capital para guiar as suas decisões quanto a que bens e serviços produzir, como produzi-los e quantos trabalhadores admitir ou despedir. Empresas dirigidas pelo Estado dos trabalhadores serão, em muitos sentidos, dirigidas melhor que as empresas dirigidas pela burguesia. Mas não devemos ter ilusões – o oposto será também verdade, muitas vezes. Os burocratas de nomeação estatal provarão não ser imunes à incompetência, hipocrisia e corrupção. Em muitos casos, os trabalhadores serão admitidos a dirigir eles próprios estas empresas e eleger os seus próprios supervisores (ou eliminar a distinção entre supervisores e supervisados) mas é de esperar que este processo seja limitado, enquanto o dinheiro for usado para tomar decisões. (Nem serão os vários tipos de permuta directa de produtos, propostos por alguns, a solução esperada. A permuta é uma forma de troca mais atrasada que a economia monetarizada, sendo os sistemas de permuta presa inevitável das leis da produção mercantil). É por esta razão que a “economia da dádiva” será o caminho em frente. Terá certamente de haver um Estado até à altura em que a esmagadora maioria de todos os produtos e serviços seja criada na “economia da dádiva”. Isto porque os outros sectores criarão contínua e espontaneamente novos estratos privilegiados, contra os quais o resto da sociedade necessitará de usar o Estado para se defender. Notar-se-á também que, embora se tenham descrito três sectores fundamentais na economia, as fronteiras entre estes sectores nem sempre serão claras. Por exemplo, na indústria do software actual, o sistema operativo Linux (ou GNU/Linux, como os puristas gostam de lhe chamar) funciona como uma economia de dádiva em miniatura, estando ao mesmo tempo rodeada por uma matilha de empresas capitalistas que procuram fazer lucro através de uma relação com ela. Isto ilustra bem o facto de que os diferentes sectores da economia funcionarão como partes de um eco-sistema complexo. Acrescentarei um gráfico, com a minha estimativa pessoal, quanto ao tamanho relativo (em percentagem da economia como um todo) de cada um dos três sectores económicos, em função do tempo decorrido após o derrube do poder político da burguesia e antes do advento de uma sociedade sem classes. Nas primeiras décadas, a transição principal é do sector capitalista privado para o capitalista de Estado. Mais tarde, a economia auto-organizada, sem dinheiro, torna-se rapidamente ascendente. Usei aqui como critério de estimativa, o método altamente científico do mais selvático atrevimento adivinhatório.
Como é óbvio, qualquer gráfico deste tipo revelar-se-á certamente sem qualquer rigor. O objectivo é apenas ajudar a ilustrar a dinâmica das relações entre os diferentes sectores económicos, e o culminar lógico do progresso da humanidade numa auto-organizada “economia da dávida”.
(*) Ben Seattle é um activista, teórico e arquitecto de sistemas informacionais. Referências sobre os seus mais recentes projectos podem ser encontradas em Struggle.net . Este artigo é a tradução, com algumas adaptações, de vários textos seus de intervenção, escritos entre Maio de 2001 e Outubro de 2002, reunidos na brochura ‘The Future Transparent Workers’ State’.
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