Notas sobre o imperialismo contemporâneo

 

 

Prabhat Patnaik (*)

 

Fases do imperialismo

Lenin datava a fase imperialista do capitalismo, que ele associou com o capitalismo monopolista, a partir do início do século XX, quando o processo de centralização do capital levou ao surgimento de monopólios na indústria e entre os bancos. A união (coalescência) dos capitais nessas duas esferas, levou à formação do "capital financeiro", que era controlada por uma oligarquia financeira que dominou ambas as esferas, bem como o Estado, em cada país capitalista avançado. A luta entre capitais financeiros rivais por "território econômico" - não apenas pelos benefícios diretos que esse "território" pudesse prover, mas, mais importante ainda, para manter os concorrentes fora de seus benefícios potenciais - em um mundo que já estava completamente dividido, necessariamente levaria, de acordo ele, à erupção de guerras, que ofereceriam aos trabalhadores de cada país beligerante uma escolha difícil: entre matar colegas trabalhadores através das trincheiras, ou virar as suas armas contra o capitalismo moribundo de seus próprios países, para derrubar o sistema e marchar para o socialismo.

Podemos distinguir três diferentes fases do imperialismo, desde então. A primeira fase, da qual a segunda guerra mundial foi o clímax, corresponde, quase exatamente, à análise de Lenin: a rivalidade entre diferentes capitais financeiros para reparticionar um mundo já dividido, explodindo em guerras que, por sua vez, levaram à formação de um campo socialista. O curso preciso de eventos através dos quais esta tendência geral se desenrolou, após a morte de Lenin, incluíu uma aguda crise econômica (a Grande Depressão dos anos trinta), para a qual contribuíu a desunião entre as potências capitalistas, e que, por sua vez, criou as condições para a emergência do fascismo, que desencadeou a segunda guerra mundial, representando, em palavras de Dimitrov, a "ditadura terrorista aberta dos setores mais revanchista do capital financeiro".

A segunda guerra mundial enfraqueceu grandemente a posição das oligarquias financeiras. A classe trabalhadora nos países capitalistas avançados, tendo feito grandes sacrifícios durante a guerra, emergiu dela muito mais forte e não estava disposta a voltar ao velho capitalismo. (Sintomas disso foram a derrota do Partido Conservador de Winston Churchill nas eleições pós-guerra na Grã-Bretanha e o enorme crescimento dos partidos comunistas italiano e francês). O campo socialista tinha crescido significativamente e viria a crescer ainda mais com a vitória da Revolução Chinesa. O capitalismo teve de fazer concessões para sobreviver. Duas concessões, em particular, foram significativas. Uma foi a descolonização, onde estava tão relutante em avançar que, mesmo após o processo formal estar concluído, se recusou a ceder voluntariamente o controle sobre os recursos do terceiro mundo, como foi evidente nas casos do Irão (onde Mossadegh foi derrubado por um golpe da CIA após a nacionalização do petróleo) e Egito (onde a invasão anglo-francesa foi lançada depois de Nasser ter nacionalizado o Canal de Suez). A outra foi a intervenção do Estado na "gestão da procura" nos países avançados - para manter elevados níveis de emprego - que até então nunca tinha sido experimentada nas economias capitalistas. A intervenção do Estado na gestão da procura, por sua vez, se tornou possível através da imposição de controles sobre os fluxos transfronteiriços de capitais, bem como sobre os fluxos comerciais. Um novo sistema monetário internacional passou a existir, no qual o dólar foi declarado "tão bom quanto o ouro" (permutável contra o ouro por 35 dólares a onça), o que permitiu tais restrições sobre os fluxos comerciais e de capitais. Este sistema reflete a nova realidade da dominação do imperialismo dos EUA e um silenciamento das rivalidades inter-imperialistas no novo cenário. Esta foi a segunda fase do imperialismo moderno.

As condições para a terceira fase, em que estamos atualmente localizados, foram criados por esta própria segunda fase. O dólar ser considerado "tão bom como o ouro" significa que foi entregue aos EUA uma mina de ouro ilimitada e livre de encargos: pode imprimir notas e no resto do mundo será obrigado a receber essas notas, pois que elas foram declaradas "tão boas como o ouro". Como resultado, os EUA fizeram imprimir notas para financiar, entre outras coisas, uma rede de bases militares em todo o mundo com as quais envolvia a União Soviética e a China. Estas notas começaram a chover em bancos europeus que, em seguida, começaram a emprestar a todo o mundo. Eles queriam emprestar ainda mais, assim que a torrente de notas aumentou desmesuradamente durante a Guerra do Vietnã. Os controles de capitais eram um obstáculo no seu caminho e foram, portanto, gradualmente removidos. O Sistema Monetário Internacional em que o dólar era oficialmente convertível em ouro não podia ser sustentado e foi finalmente abandonado, na década de setenta, embora tenha permanecido a posição preeminente do dólar como a forma em que uma grande parte da riqueza do mundo foi realizada. Mas a flexibilização dos controles de capitais e o aumento da mobilidade das finanças em todo o mundo trouxe à existência uma nova entidade, o capital financeiro internacional.

Esta terceira fase do imperialismo moderno é marcado pela hegemonia do capital financeiro internacional, que é a força motriz por trás do fenômeno da globalização, e na prossecução das políticas neo-liberais, no lugar das políticas keynesianas de gestão da procura nos países avançados e de "planejamento" ao estilo Nehru (ou aquilo que alguns economistas do desenviolvimento chamam de políticas dirigistas) no terceiro mundo.

O Capital Financeiro, então e agora

Nesta terceira fase do imperialismo, houve um tão grande crescimento do setor financeiro dentro de cada economia capitalista, e dos fluxos financeiros em todo o mundo, que muitos têm falado de um processo de "financeirização" do capitalismo, um pouco como a "industrialização" ocorrida anteriormente. Embora isso possa ser uma descrição adequada dos processos envolvidos, não chama a atenção para a entidade que tomou o centro do palco, ou seja, o capital financeiro internacional. Esta entidade é diferente do capital financeiro de tempo de Lenin, em pelo menos três aspectos essenciais.

Primeiro, enquanto Lênin havia falado sobre a "união" das finanças e da indústria e se referiu ao capital financeiro como capital "controlado pelos bancos e empregue na indústria" – tendo assim, tendencialmente, uma estratégia nacional para a expansão do "território econômico" que também serviria as necessidades de seu império industrial - o novo capital financeiro não é necessariamente ligado à indústria, em qualquer sentido especial. Ele se move ao redor do mundo em busca de ganhos rápidos e especulativos, não importando em que esfera tais ganhos surjam. Esta finança não está separada da indústria, pois que mesmo o capital empregue na indústria não está imune à busca de ganhos especulativos, mas a indústria já não ocupa nenhum lugar especial nos planos do capital financeiro. Em outras palavras, não só o capital-enquanto-finança funciona sempre efectivamente como capital-enquanto-finança, mas mesmo o capital-na-produção, também ele, funciona amiúde como capital-enquanto-finança. Ora, o capital-enquanto-finança não tem um interesse especial na produção. É isto, basicamente, o que está envolvido no processo de "financeirização", ou seja, um enorme crescimento do capital-enquanto-finança, puro e simples, na sua busca infrene de rápidos ganhos especulativos.

Em segundo lugar, o capital financeiro no tempo de Lenin tinha a sua base dentro de uma nação em particular, estando as suas operações internacionais ligadas à expansão do "território econômico" nacional. O capital financeiro de hoje, porém, tendo embora as suas origens em certas nações, é claro, não está necessariamente vinculado a qualquer interesse nacional. Ele se move em torno de todo o mundo e seus objetivos não são diferentes do capital financeiro que tem suas origens em alguma outra nação. É neste sentido que as distinções entre os capitais financeiros nacionais se tornam enganosas. Podemos antes falar de um capital financeiro internacional, o qual, não importando onde se origina, tem este caráter de estar distanciado de quaisquer interesses nacionais particulares, tendo o mundo inteiro como seu teatro de operações e não estando vinculado a qualquer esfera de actividade em particular, tal como a indústria.

Em terceiro lugar, esta desinibida operacionalidade global exige que o mundo não esteja dividida em blocos separados ou em territórios econômicos que sejam reserva de certas nações em particular, ficando fora de limites para as outras. Os interesses do capital financeiro internacional requerem, portanto, um silenciamento das rivalidades inter-imperialistas. Se esse processo de silenciamento das rivalidades inter-imperialistas começou logo no período pós-guerra, como resultado da esmagadora força econômica e estratégica dos EUA entre as potências capitalistas, é agora sustentado, na atual fase, pela própria natureza do capital financeiro internacional.

Dizer isso não é sugerir que não existem contradições entre essas potências ou que elas não estão envolvidos em uma intensa concorrência no comércio mundial, de que as atuais guerras monetárias (que equivalem a uma política de tentar endossar o prejuízo ao vizinho) são um reflexo. Mas tais contradições são mantidos sob controle pela necessidade que têm as finanças globalizadas de manter o mundo inteiro como sua arena irrestrita das operações. Certamente, a idéia de que essas contradições possam explodir em guerras abertas entre os países capitalistas avançados, ou mesmo em guerras por procuração entre elas, parece bastante forçada, no futuro previsível.

Muitos viram neste fato uma validação da teoria de Karl Kautsky sobre o "ultra-imperialismo", que se refere à possibilidade de uma pacífica e "conjunta exploração do mundo pelo capital financeiro internacionalmente unido", desmentindo a ênfase posta por Lênin nas rivalidades inter-imperialistas e da inevitabilidade da guerra. Mas o mundo mudou também muito para além da percepção que Kautsky tinha dele. Usar o seu conceito de "ultra-imperialismo" no contexto atual é enganoso por duas razões, pelo menos. Primeiro, o "capital financeiro internacionalmente unido" de Kautsky não é o mesmo que "o capital financeiro internacional" de hoje. Nós não estamos falando de unidade entre um punhado de capitais financeiros nacionais, dos principais países capitalistas, mas falando, isso sim, de um fenômeno internacional, que vai para além dos capitais financeiros nacionais e já não está confinado a um punhado de países poderosos. É composto por capitais financeiros de diferentes origens nacionais, inclusive dos países do terceiro mundo, e também se move ao redor do mundo inteiro perseguindo o seu próprio interesse particular, e nenhum interesse capitalista nacional específico. Em segundo lugar, a ênfase de Lênin sobre as guerras como acompanhamento necessário do imperialismo continua tão válido hoje como era em seu tempo. As grandes guerras mundiais entre os países imperialistas podem não aparecer no horizonte, mas continuam a surgir outros tipos de guerra decorrentes do fenômeno do imperialismo, de que são exemplos a guerra do Iraque, a guerra no Afeganistão e a guerra inicial nos Balcãs.

A globalização das Finanças e o Estado-Nação

Na fase atual do imperialismo, o capital financeiro tornou-se internacional, enquanto o Estado continua a ser um Estado-nação. O Estado-nação, portanto, quer o queira quer não, deve se curvar diante da vontade da Finança, caso contrário, a Finança (tanto a originária desse país com a que veio de fora) vai deixar esse país e mudar para outro lugar, reduzindo-o a uma situação de liquidez e impedindo o funcionamento da sua economia. O processo de globalização das finanças, portanto, tem o efeito de minar a autonomia do Estado-nação. O Estado não pode fazer o que quer fazer, ou o que o seu governo foi eleito para fazer, pois que deve fazer o que a Finança lhe impõe que faça.

Está na natureza do capital financeiro opor-se a qualquer intervenção do Estado, a não ser aquelas que promovam o seu próprio interesse. Ele não quer um Estado intervencionista quando se trata da promoção do emprego, da prestação de assistência social ou da protecção dos pequenos e médios produtores, mas quer um Estado ativo exclusivamente no que for da sua própria conveniência direta. Ele traz, portanto, uma mudança na natureza do Estado: de ser uma entidade, aparentemente, supra-classista, situada acima da sociedade, intervindo de forma benevolente para a promoção do "bem social", para passar a estar preocupado quase exclusivamente com os interesses do capital financeiro. Para justificar esta alteração, que ocorre na era da globalização sob a pressão do capital financeiro, os interesses das finanças são, cada vez mais, feitos passar como sendo sinônimo de interesses da sociedade. Se o mercado de ações está próspero, então é suposto a economia estar próspera, não importando o que acontece com os níveis de desnutrição, fome e pobreza. Se um país é classificado com boa nota pelas agências de classificação de crédito, então isso se torna uma questão de orgulho nacional, não importando quão miserável o seu povo seja.

A questão, porém, é que esta "lógica invertida", este ilusionismo aparente, não é apenas um equívoco ou falsa propaganda; tem um elemento de verdade, com raízes no universo real da globalização. É verdade que, se a Finança perde a "confiança" em um determinado país e sai dele, então esse país enfrentará sérias conseqüências por meio de uma crise de liquidez. De modo que, agradar à Finança, não importa o quão opressora ela é, se tornou uma pré-condição para a sobrevivência econômica dentro deste sistema. Esta "lógica invertida", portanto, é decorrência direta de um fenômeno da vida real, ou seja, a hegemonia do capital financeiro internacional. Ela não pode ser superada pelo apelo a alguma "lógica correta" ou a "prioridades correctas do Estado"; requere-se para isso a superação da hegemonia do capital financeiro internacional. Ela exige, em suma, não a "reforma" em um sistema dominado pelo capital financeiro, mas a superação do próprio sistema.

A insistência do capital financeiro num Estado não intervencionista, exceto quando a intervenção é feita no seu próprio interesse, toma em especial a forma da imposição de austeridade fiscal ao Estado. Nos velhos tempos, as "finanças sãs" por parte do Estado, que eram favorecidas pelo capital financeiro, consistiam em um equilíbrio de seu orçamento. Actualmente, assume a forma, muito espalhada, de um limite de 3 por cento do tamanho do défice fiscal em relação ao PIB. Este é o limite legislado em todo o mundo, da União Europeia à Índia, procurando-se impô-lo na prática. (A única exceção entre os países capitalistas são os E.U.A. que sistematicamente ignoram qualquer legislação sobre "responsabilidade fiscal" que possa existir nos seus livros estatutários, e que, só entre estes países, goza de um certo grau de autonomia fiscal. Mas isso sucede apenas porque a sua moeda é ainda considerada de facto, embora já não de jure, "tão boa como o ouro" e, portanto, constitui o meio pelo qual uma grande parte da riqueza do mundo é detida; uma fuga de capitais para fora dos E.U.A. devido ao descontentamento por parte das Finanças com o tamanho do seu défice fiscal será, portanto, rejeitada por todo o mundo capitalista, um fato de que os especuladores estão bem cientes).

Uma vez que o Estado-Nação, prosseguindo a liberalização do comércio, tem de reduzir os direitos aduaneiros e, portanto, deve restringir impostos especiais de consumo (de modo a não discriminar entre os capitalistas nacionais e estrangeiros), e uma vez que, no interesse da "acumulação de capital", mantém impostos baixos sobre os rendimentos das empresas e, portanto, por razões de paridade entre si, sobre os rendimentos pessoais, o limite de défice fiscal implica uma forte contenção das despesas da sua parte. E este é o cenário para "privatizar" não só os activos do Estado, "por tuta e meia", mas também serviços de assistência e encargos sociais, como a educação e a saúde.

Tudo isto é normalmente referido como constituindo uma "retirada do Estado" e sua lógica é debatida em termos de "o Estado" versus "o mercado". Nada poderia estar mais errado que isso. O Estado, sob o neoliberalismo, não se retira; ele está envolvido, tanto quanto antes, ou até mesmo mais perto do que antes, na economia, mas a sua intervenção é agora de um tipo diferente, exclusivamente nos interesses do capital financeiro.

Os recentes acontecimentos na Grécia e na Irlanda enfatizam este ponto. O Estado nesses países sofreu um défice fiscal, a fim de escorar os bancos, que tinham antes disso financiado as bolhas especulativas e tiveram, por isso, que colher o amargo fruto que semearam. Para reduzir o défice fiscal, no entanto, o Estado tem agora que cancelar as suas medidas de assistência social, em detrimento das massas trabalhadoras. Em resumo, o Estado intervém em favor do capital financeiro, mas retira-se da intervenção a favor das pessoas que trabalham. Na própria Índia, apesar de uma massiva inflação do preço dos alimentos, o Estado acumula 60 milhões de toneladas de grãos alimentícios, pois sua liberação através do PDS elevaria o défice fiscal e, portanto, ofenderia o capital financeiro.

Sem surpresa, tanto a keynesiana gestão da procura nos países capitalistas avançados, como o dirigismo no terceiro mundo, tornaram-se insustentáveis na era da globalização. O Estado-Nação na era da globalização, torna-se, em síntese, um guardião dos interesses do capital financeiro internacional, o que tem o efeito óbvio de atenuar, diminuir e fazer uma paródia de democracia política.

A comunidade financeira global

As restrições sobre as actividades do Estado-nação não são impostas apenas pelo medo de uma fuga de capitais. Todo um aparato ideológico, e com ele todo um exército de ideólogos, é construído para apoiar as políticas neo-liberais. Uma vez que o capital financeiro adquire um caráter internacional, os controladores deste capital financeiro internacional constituem, para usar a expressão de Lenin, uma oligarquia financeira mundial. Esta oligarquia financeira mundial, para o seu funcionamento, requer um exército de porta-vozes, assessores de imprensa, professores, burocratas, tecnocratas e políticos localizados em países diferentes.

A criação deste exército é uma empresa complexa, na qual é possível discernir pelo menos três processos distintos. Dois são bastante simples. Se um país se viu arrastado para o turbilhão da finança globalizada, abrindo suas portas para a livre circulação do capital financeiro, então, de bom ou de mau grado, mesmo os burocratas, políticos e professores mais bem intencionados vão exigir, no interesse nacional, que se preste a devida vénia aos caprichos da oligarquia financeira mundial, uma vez que não o fazer custará sempre muito caro ao país, em fugas de capitais debilitantes e desestabilizaras. Em resumo, a tarefa estará cumprida automaticamente, em grande parte, uma vez que o país tenha sido aliciado a abrir as suas portas para os fluxos financeiros.

O segundo processo é um exercício da pressão pelos colegas. Ministros das Finanças, Governadores dos Bancos Centrais, burocratas financeiros do topo oriundos de diferentes países, quando se encontram, tendem cada vez mais a constituir o que já tem sido chamado de "comunidade epistêmica". Eles começam cada vez mais a falar a mesma língua, têm a mesma visão do mundo, partilham os mesmos preconceitos e as mesmas posições teóricas que têm sido cabalmente descritas como sendo o "embuste das finanças". Aqueles que não alinham estarão sujeitos a uma tremenda pressão dos colegas para entrar no coro e, eventualmente, acabarão por aderir. A pressão dos colegas pode ser sustentada por tentações mundanas tais como já Lenin havia descrito, que vão desde o suborno puro e simples a ofertas lucrativas de trabalho pós-aposentadoria. Seja qual for o método utilizado, o conformismo para com o "embuste" que a finança globalizada faz passar por ciência económica torna-se uma marca da "respeitabilidade".

Mas para que se exerça esta pressão dos colegas, deveria haver um grupo nuclear de ideólogos do capital financeiro, para accionar e manipular essa mesma pressão. Os próprios "colegas", em si mesmos, não são indivíduos livremente determinados, mas têm que ser empurrados para compartilharem um mesmo sistema de crenças. Tem de haver, portanto, um conjunto de intelectuais importantes, ideólogos, pensadores e estrategas que promovam este sistema de crenças, moldando e difundindo a ideologia do capital financeiro e, em geral, cuidando dos interesses da finança globalizada. Eles não são necessariamente capitalistas ou magnatas; mas estão perto do magnatas financeiros e, geralmente, compartilham dos seus "despojos". A oligarquia financeira propriamente dita, constituído por estes magnatas, juntamente com estes ideólogos e propagandistas do capital financeiro, constitui a "comunidade financeira global". A função desta comunidade financeira global é promover e perpetuar a hegemonia do capital financeiro internacional. E essa comunidade financeira global vai-se insinuando nos sistemas políticos dos diversos países, inicialmente como "assessores" treinados pelo FMI e pelo Banco Mundial nos ministérios econômicos, posteriormente como ministros e até mesmo dirigentes dos partidos políticos estabelecidos.

Em todo o lado são feitas reformas nos sistemas de ensino de forma a livrá-los dos mínimos vestígios de qualquer visão de mundo diferente da que é propagada pela comunidade financeira global. Elas desempenham um papel importante na hegemonia ideológica do capital financeiro. O processo de privatização e mercantilização da educação facilita a instauração de tais reformas.

Contradições da globalização

O regime neoliberal imposto ao mundo pelo predomínio do capital financeiro globalizado implica uma série de graves contradições que conduzem o sistema a um impasse. O que estamos presenciando no momento é um tal impasse. Há pelo menos quatro contradições que precisam ser notados.

A primeira consiste no fato de que a livre circulação de bens e serviços e de capitais (embora não de trabalho) tornou difícil de sustentar a diferença salarial entre as economias avançadas e atrasadas que tradicionalmente caracteriza o capitalismo. Como tecnologias basicamente similares estão disponíveis para todas as economias (a livre circulação de capitais garante isso), as mercadorias produzidas com o trabalho mais barato que existe nas economias do terceiro mundo podem vencer na competição as produzidos em países avançados. Devido a isso, os salários nos países desenvolvidos não podem subir, e tendem mesmo a cair, de modo a tornar seus produtos mais competitivos, avançando um pouco mais em direção aos níveis que prevalecem no terceiro mundo. Os níveis aí não são mais elevados do que aqueles estritamente necessários para satisfazer as necessidades de subsistência historicamente determinadas, graças à existência de reservas substanciais de trabalho.

Por outras palavras, os trabalhadores de países avançados já não podem escapar às conseqüências danosas decorrentes da existência de reservas de trabalho no terceiro mundo (que foram criados através da exploração colonial e semi-colonial que causou "desindustrialização" e "drenagem de excedentes"). E mesmo com os salários nos países avançados em queda, nos níveis prevalecentes da produtividade do trabalho, a produtividade do trabalho nos países do terceiro mundo sobe, no nível prevalecente de salários, até ao nível atingido pelos países avançados. Isto porque as diferenças salariais que continuam a existir, induzem a difusão das atividades do centro para a periferia. Esse duplo movimento significa que a diminui a participação dos salários no rendimento total mundial. Essa redução na participação dos salários no rendimento mundial também ocorre por outro motivo: enquanto o progresso tecnológico na economia mundial aumenta o nível de produtividade do trabalho em todos os lados, os salários dos trabalhadores não aumentam em proporção, uma vez mais devido a que esses salários estão sendo ligados à existência de reservas de trabalho substanciais na economia mundial.

Em resultado disso, tomando a economia mundial no seu todo, há um aumento na desigualdade de rendimentos e, em conseqüência, um problema crescente da demanda agregada insuficiente: uma vez que um dólar nas mãos dos trabalhadores é gasto em consumo, enquanto um dólar nas mãos dos capitalistas é parcialmente aforrado, qualquer mudança na distribuição da renda dos salários para os lucros tende a deprimir a demanda e criar um "problema de realização". O crédito ao consumo e a estimulação das despesas por preços de ativos especulativamente exagerados fornecem antídotos apenas temporários para esta tendência para o excesso de produção a nível mundia. Com o estouro dessas "bolhas" especulativas e o encerramento inevitável do financiamento pelo crédito, a subjacente crise da economia mundial reaparece com toda sua intensidade.

A segunda contradição do regime neoliberal daí advém. Qualquer deficiência de demanda agregada, resultando em desemprego e recessão, afeta naturalmente de forma mais severa os produtores com remunerações mais elevadas (logo, de mais alto custo) nos países avançados do que os dos países de baixos salários, como a Índia ou a China. Países como os Estados Unidos, portanto, sofrem, como resultado desta tendência mundial para o excesso de produção, níveis mais elevados de desemprego, mas também contínuos e crescentes défices de conta corrente na sua balança de pagamentos. Em resumo, desemprego agudo, especialmente em economias até então de altos salários, e o problema chamado dos "desequilíbrios mundiais" (pelo qual países como a China têm um contínuo e crescernte superávit em conta corrente, enquanto os Estados Unidos têm défices crescentes e, portanto, ficam cada vez mais endividados) são ambos causados pelo regime neoliberal imposto ao mundo pelo capital financeiro globalizado. Enquanto as corporações multinacionais dos EUA e os interesses financeiros dos EUA impõem regimes neoliberais em toda parte, o resultado disso é salários e emprego reduzidos para os trabalhadores dos EUA.

Se o Estado nas economias avançadas, como a dos EUA, pudesse intervir para promover a procura, então o desemprego poderia aí ser reduzido. Mas, como vimos, o regime das finanças globalizadas implica um recuo da intervenção do Estado na gestão da procura. Naturalmente, o Estado da economia líder, os EUA, cuja moeda, sendo quase "tão boa como o ouro", goza de um certo grau de imunidade aos caprichos do capital financeiro internacional a este respeito, ainda mantém uma certa autonomia fiscal e ainda pode realizar gestão da procura, dado que a fuga de capitais para longe da sua moeda nunca tomará proporções muito graves. Mas uma vez que o país da moeda de referência está, ele próprio, ficando cada vez mais endividado, a sua capacidade de realizar uma gestão da procura também se desgasta. A incapacidade do Estado capitalista para realizar a gestão da procura, como fazia antes, constitui a terceira contradição do regime neoliberal, no qual não existe, portanto, uma solução efetiva para os problemas da superprodução global e dos desequilíbrios globais.

O neoliberalismo, em suma, empurra o capitalismo para uma crise prolongada por várias razões co-atuantes: ele cria uma tendência para o excesso de produção na economia mundial, gerando desigualdades na distribuição de renda no mundo; ele incapacita os Estados-nação capitalistas para realizar gestão da procura e também prejudica a capacidade do próprio Estado mais poderoso para desempenhar um papel semelhante, mas aqui por um motivo diferente, ou seja, por o sobrecarregar com contínuos e agudos défices em conta corrente.

Pode-se pensar que a crise de que estamos falando diz respeito principalmente ao mundo capitalista avançado, que continuará afundado nela ainda por um longo tempo (e se, por acaso, aparecer uma nova "bolha" que temporariamente o eleve acima desta crise, o seu colapso inevitável mergulhá-la-á nela de volta) e que o terceiro mundo, especialmente países como a Índia, são imunes a ela. Isso, no entanto, é onde se torna relevante a quarta contradição do capitalismo neoliberal. Isso se relaciona ao fato de que o Estado liderado pela burguesia no terceiro mundo se demite do seu papel de apoiar, proteger e promover a economia camponesa e de pequenos produtores, à medida que a grande burguesia nacional e os interesses financeiros se integram estreitamente com o capital financeiro internacional, ao abrigo do regime neoliberal, levando a uma fratura na nação e ao desenvolvimento de um hiato profundo dentro dela. O abandono deste papel que o Estado de liderança burguesa havia tomado para si próprio durante o período de dirigismo, como parte do legado da luta pela descolonização, provoca uma dizimação da pequena produção, o desencadeamento de um processo de acumulação primitiva de capital (ou o que poderá ser mais cabalmente descrito como um processo de "acumulação por usurpação").

Cadeias de retalho multinacionais como a Wal-Mart chegam, desalojando os pequenos comerciantes; o agronegócio entra para esmagar o campesinato; financeiros sequiosos de terra vêm para fazer deslocar os camponeses dos seus campos; e pequenos produtores de todas as espécies, em todos os lugares, ficam aprisionados entre a elevação dos preços dos insumos, causada pela retirada de subsídios do Estado, e o declínio dos preços dos produtos, causado pela retirada da proteção do Estado em relação às tendências mundiais dos preços das mercadorias. Quando adicionamos a tudo isto a ascensão no custo de vida, por causa da privatização da educação, saúde e diversos serviços essenciais, que afecta toda a população trabalhadora, podemos avaliar a virulência do processo de acumulação primitiva que está sendo desencadeado. O período atual carateriza-se, portanto, por não ser só nos países capitalistas avançados que nos deparamos com a crise e o desemprego, pois que o mesmo acontece em aparentemente "bem sucedidos" países de "crescimento alto", como a Índia. Os primeiros são afetados pelo problema da procura inadequada; os últimos são afetados, tanto pelas consequências da crise nos primeiros (pelos seus efeitos sobre os preços que afetam os camponeses e sobre as actividades de exportadoras) e também pelo problema adicional de desestabilização e expropriação dos pequenos produtores e do desemprego por ele engendrado. Ambos os segmentos da economia mundial, por conseguinte, são atingidos por uma crise social aguda.

Algumas outras perspectivas sobre o imperialismo contemporâneo

Temos discutido o imperialismo contemporâneo, até aqui, com base na análise de Lênin, isto é, tomando a sua análise como ponto de partida. Em textos contemporâneos sobre o imperialismo, no entanto, nos deparamos com algumas outras perspectivas. Vejamos algumas delas.

Uma destas perspectiva vê o imperialismo não em termos de lógica econômica imanente do capitalismo, que, através do processo de centralização do capital, dá origem ao capital financeiro que Lênin tinha analisado e, posteriormente, ao capital financeiro internacional. Em vez disso, caracteriza o imperialismo como sendo um projeto político assumido pelo Estado do principal país imperialista, os EUA, para globalizar sua particular concepção do capitalismo, conseguindo para isso arregimentar o apoio de outros países capitalistas avançados. Vê, portanto, uma continuidade no projeto imperialista no período pós-guerra, em termos de uma tentativa persistente do Estado norte-americano para construir um "império informal", tendo enbarcado outros Estados capitalistas nesse mesmo desígnio. Este projeto poderia ter sido frustrado em alguns períodos (como no período de dirigismo no terceiro mundo), avançando rapidamente em outros (como a mais recente "era da globalização"). Mas através de todas estas vicissitudes, é essencialmente um projeto político conscientemente planeado.

A diferença entre esta última perspectiva e aquela descrita anteriormente é de ordem metodológica e, portanto, bastante fundamental. Ao tomar o Estado do principal país como a força motriz por trás do imperialismo, atribui ao Estado não apenas uma autonomia relativa mas, de facto, uma autonomia absoluta. Admite-se que o Estado atua dentro de um ambiente econômico, mas não se vê a economia como determinante da política. Na verdade, rejeita uma tal proposição como sendo "reducionista". Por conseguinte, afasta-se do entendimento fundamental do capitalismo como sendo um sistema "espontâneo" ou auto-dirigido, que não é planejado, e, portanto, incapaz de resolver suas próprias contradições básicas.

Uma conseqüência imediata desta posição é a subestimação do impasse atual do capitalismo. Mais genericamente, a falha metodológica na abordagem que atribui uma autonomia para a política é que não pode antecipar os acontecimentos, só podendo explicá-las a posteriori. Não haverá opções excluídas para o capitalismo, por imposição da lógica intrínseca do sistema económico. O Estado, como um órgão autônomo, poderá sempre moldar o sistema para superar qualquer situação em que este se encontre. Se vai ser capaz ou não de superar a situação só poderá ser conhecido após o evento. Esta abordagem, portanto, não é conducente à práxis revolucionária consciente, fundada sobre a construção de alianças revolucionárias de classe, com base na antecipação do curso do movimento da sociedade como um todo.

Uma perspectiva muito diferente é fornecido pelo influente trabalho ‘Império’ (2000) de Michael Hardt e Toni Negri, que fala de uma transição do imperialismo "moderno", baseado em Estados-nação, para um império global "pós-moderno", uma entidade transnacional comparável à antiga Roma. Com a ascensão do Império, é posto um fim aos conflitos nacionais. O Império é total: o capitalismo global vitorioso permeia completamente as nossas vidas sociais, apropriando-se de todo o espaço da "civilização" e apresentando o seu "inimigo" apenas como um "criminoso", um "terrorista" que constitui uma ameaça, não para um determinado sistema político ou nação, mas para toda a ordem ética.

Ao contrário da posição dominante da esquerda, que se esforça por limitar o potencial destrutivo da globalização, preservando o Estado Social, por exemplo, Hardt e Negri vêm um potencial revolucionário nessa dinâmica. Na sua perspectiva, portanto, a posição dominante da esquerda parece ser conservadora, temerosa da dinâmica da globalização. Nesse sentido, eles podem reivindicar uma afinidade com Marx, que não defendia uma limitação do potencial destrutivo do capitalismo, mas via nele um enorme avanço para a humanidade, que deve ser levado adiante por meio da transcendência do próprio capitalismo.

Mas mesmo concedendo-se essa afinidade, há ainda assim uma diferença básica, a este respeito, entre Marx, por um lado, e Hardt e Negri por outro. Essa diferença consiste no fato de que, enquanto Marx viu, não só a necessidade da transcendência do capitalismo, mas também o fato de que o sistema, ele próprio, produziu o instrumento - o proletariado - através do qual ela poderá ser realizada, da parte de Hardt e Negri, propostas concretas para se ir para além da globalização contemporânea são de uma nebolusidade fabulosa.

Os autores propõem lutas políticas por três direitos globais: o direito à cidadania global, o direito a uma renda mínima, bem como o direito a uma reapropriação dos novos meios de produção (ou seja, acesso e controle sobre a informação, a educação e a comunicação)  Em vez de estratégias concretas de luta, estamos, portanto, limitados a meros votos piedosos.

Tomemos, por exemplo, o direito a uma renda mínima. A tendência imanente do capitalismo para a produção de "riqueza num pólo e a miséria no outro" está se manifestando no presente através de um processo vicioso de empobrecimento absoluto, causado por uma expansão da acumulação primitiva de capital que não é acompanhada de qualquer tipo de admissão significativa dos pobres nas fileiras do proletariado. A exigência de um nível mínimo de renda, neste contexto, será desprovida de qualquer sentido se não estivermos dispostos a transcender o capitalismo e a lutar por um sistema alternativo que seja desprovido dessa tendência imanente a produzir um tal empobrecimento absoluto. A lógica desse sistema alternativo, a natureza desse sistema alternativo, o roteiro para chegar a esse sistema alternativo (a que chamamos de socialismo) devem portanto ser trabalhados, se defendemos a sério o direito a um nível mínimo de renda. A exigência desse direito, dentro do capitalismo, só pode portanto desempenhar o papel de uma medida de transição (no sentido de Lenin), que é irrealizável dentro do sistema, mas que pode atuar como um dispositivo mobilizador, educativo e esclarecedor.

Argumentar, em geral, por um nível mínimo de renda, é uma ilusão, se o considerarmos viável dentro do capitalismo, e um mero desejo piedoso, se não forem analisados os contornos de uma sociedade em que isso seja exequível. Separar esta exigência da luta pelo socialismo é sinal de uma falha teórica, que afecta ‘Império’. O livro, apesar das suas várias perspectivas aliciantes, não tem qualquer análise das tendências imanentes na globalização, não examina a economia do sistema, não vê a sua "espontaneidade", o seu carácter auto-dirigido, que tanto cria seus próprios coveiros como dá origem a conjunturas propícias à práxis política revolucionária.

Georg Lukács disse uma vez que a propriedade notável do marxismo é que toda a idéia que, aparentemente, foi para além de Marx era, na verdade, um retorno a algo de pré-marxista. A análise pós-marxista de Hardt e Negri, paradoxalmente, acaba regredindo para uma posição que é mesmo anterior ao socialismo utópico.

A luta contra o imperialismo

A natureza da crise difere um pouco entre o primeiro e o terceiro mundos, como foi argumentado anteriormente. No primeiro caso, é principalmente uma crise de insuficiência de procura agregada, que se manifesta em termos de desemprego e de capacidade não utilizada, enquanto que no segundo (especialmente em países como a Índia), esse aspecto da crise, embora não totalmente ausente, é silenciado (para já), sendo o centro do palco ocupado pelo empobrecimento dos camponeses e pequenos produtores (e dos trabalhadores também, em conseqüência) através de um processo de acumulação primitiva de capital. Daqui resulta que as alianças de classe por trás da luta vão ser diferentes nos dois teatros.

No primeiro caso, temos a classe operária, os imigrantes, a chamada "underclass", juntamente com os trabalhadores de colarinho branco e a classe média urbana, que se combinam para proporcionar resistência, como está a acontecer na Grécia, França, Irlanda e Inglaterra, embora, naturalmente, como acontece em todas as situações semelhantes, haja um crescimento paralelo do fascismo, promovido pelo capital financeiro, que visa frustrar e perturbar essa resistência. No segundo caso, o terceiro mundo, são os camponeses, os pequenos produtores, os trabalhadores rurais, grupos marginalizados, como os povos tribais e dalits, e a classe trabalhadora urbana que se combinam para proporcionar a resistência, enquanto que segmentos da classe média urbana, que para já não foram ainda tocados pela crise, beneficiando mesmo do elevado crescimento trazido pela globalização, podem, de momento, tornar-se seguidores da grande burguesia e dos interesses financeiros.

A diferença crucial, portanto, refere-se a dois segmentos: os camponeses e pequenos produtores que são uma força anti-imperialista significativa no terceiro mundo, mas são de menos importância no primeiro, e a classe média urbana, que é uma força militante no primeiro mundo (como exemplificado, por exemplo, pelos maciços protestos estudantis), mas vacila ou segue abertamente a grande burguesia, no terceiro mundo, pelo menos de momento. (A América Latina é diferente, a este respeito, tanto por ter um campesinato relativamente pequeno como por ter uma classe média urbana que experimentou a angústia causada pela sua longa história de globalização e neoliberalismo desenfreado).

Tendo em conta esta diferença, uma resistência coordenada global não está no horizonte, pelo que a luta contra a globalização imperialista deve tomar diversas formas nas diversas regiões. Em países como a Índia, de qualquer modo, ela deve implicar a formação de uma aliança operário-camponesa, em torno de uma agenda nacional baseada em uma criteriosa desvinculação da ordem global.

A proposta de uma seletiva desvinculação da economia nacional da economia global será contestada por muitos, uma vez que parece envolver uma retirada da globalização para o "nacionalismo". É verdade, a globalização é dominada pelo capital financeiro internacional e é realizada sob a égide do imperialismo, mas a forma de lutar contra isso, muitos defendem, é através de ações coordenadas internacionalmente dos trabalhadores e camponeses. O nacionalismo, mesmo o nacionalismo anti-imperialista, defendem estes críticos, representa um recuo em relação a tais lutas internacionais e, portanto, um certo grau de fechamento para o mundo, que tem implicações potencialmente reacionárias.

Há dois argumentos básicos contra esta posição. Primeiro, lutas internacionalmente coordenadas, mesmo que só dos trabalhadores, não são uma proposição viável num futuro próximo. E quando vemos o campesinato como a força principal na luta contra a globalização imperialista, em países como o nosso (Índia), tão inviável se mostra uma coordenação internacional das lutas camponesas, que não podemos deixar de sentir que aqueles que insistem nela estão completamente alheado da questão camponesa. Por outras palavras, qualquer análise que atribua centralidade à aliança dos operários e camponeses, como meio de embarcar em uma estratégia alternativa, não pode deixar de ver a luta contra a globalização imperialista como sendo de base nacional, com o objetivo de provocar uma mudança na natureza do Estado-nação.

Em segundo lugar, como já foi mencionado, a desvinculação do mercado mundial é essencial para trazer uma melhoria nas condições de vida dos trabalhadores em qualquer país. E aos trabalhadores que lutam por essa melhoria não pode ser solicitado que aguardem até que chegue um novo Estado Mundial que seja favorável aos interesses dos trabalhadores e camponeses.

Qualquer atraso, por parte da esquerda, nos países do terceiro mundo como o nosso, em trabalhar no sentido de uma tal aliança operário-camponesa contra a globalização imperialista vai ter consequências graves por um outro motivo: os camponeses não podem esperar pela esquerda para organizá-los. Eles se virarão para qualquer tipo de organização fundamentalista que lidere a resistência contra a nova ordem mundial, se a esquerda não entrar prontamente em cena. É possível detectar o apoio da classe dos camponeses e dos pequenos produtores por trás do fundamentalismo islâmico de um Ahmadinejad no Irão, assim como o mesmo apoio de classe está por trás da ascensão do governo de Evo Morales na Bolívia. Se seguimos a via iraniana ou a da Bolívia depende de quão rapidamente a esquerda se movimente para organizar o campesinato como uma força militante alinhada com a classe trabalhadora contra a globalização imperialista.

Deixando, porém, de lado o pragmatismo, não representará o recuo para uma agenda nacional uma reação conservadora, defensiva, do tipo que Hardt e Negri haviam criticado? Não deveríamos antes aproveitar a dinâmica da globalização para levar o processo adiante revolucionariamente? Não será o recuo para uma agenda nacional contra a marcha da história, um ato antidialético de arrastamento para trás dos ponteiros do relógio? A resposta a esta questão reside no fato de que a marcha da história é assegurada pela direcção de uma força que compreende "o processo histórico como um todo", uma força que traz a perspectiva de classe revolucionária da classe trabalhadora, organizando o campesinato em torno dela. A marcha da história não é redutível a fórmulas sobre se o terreno de resistência é nacional ou internacional, pois que isso depende, antes do mais, do carácter internacionalista ou reacionário que assuma a principal força da resistência.

A crise atual do capitalismo, como já foi argumentado, será provavelmente prolongada. Vai passar por muitas fases e muitas reviravoltas, algumas até mesmo adversas para a esquerda, tal como sucedeu durante o desenrolar da crise de 1930. Mas ela está grávida de possibilidades históricas de uma transição socialista para a humanidade, se a esquerda fizer um uso adequado dessa conjuntura, como Lênin fez no seu tempo.

 

 

 

(*) Prabhat Patnaik (n. 1945) é um economista e comentador político marxista indiano, professor na Escola de Ciências Sociais da Universidade Jawaharlal Nehru em Nova Deli e vice-presidente da Comissão de Planeamento do estado de Kerala. Entre as suas obras publicadas em volume incluem-se ‘Time, Inflation and Growth’ (1988), ‘Economics and Egalitarianism’ (1990), ‘Whatever Happened to Imperialism and Other Essays’ (1995), ‘Accumulation and Stability Under Capitalism’ (1997), ‘The Retreat to Unfreedom’ (2003) e ‘The Value of Money’ (2008). É editor da revista Social Scientist. Este importante artigo foi reproduzido a partir do excelente site indiano Pragoti.