A PÁGINA DE ÂNGELO NOVO

 
 Uma questão de polícias e anarquistas (*)
 
 Resultado de imagem para black bloc
 

 

 

 

 

 

 

No número 85 da vossa publicação, no artigo “Globalizar a resistência, reinventar o mundo”, de Ângelo Novo, quando são caracterizados os grupos antiglobalização, faz se a seguinte afirmação curiosa: “anarquistas enragés (estes por vezes infiltrados por provocadores policiais)...”. Tal declaração insinuante, que lemos também com frequência nos artigos dos grandes jornais e escutamos aos defensores das manifestações ordeiras, é sintomática por parte de uma revista que gosta de afirmar o seu anti anarquismo, dentro da velha tradição leninista. Ficámos pois a saber que os anarquistas – ou serão os enragés, por serem defensores da acção directa – são (por vezes) infiltrados por provocadores policiais, embora não saibamos se os leninistas, os trotsquistas, os ecologistas ou os católicos também o são. Será porque estes são ordeiros? Ou será porque não representam nenhuma ameaça à paz social? No entanto, não é preciso ser muito informado para concluir que não são só os anarquistas que são manifestantes antiglobalização enragés, existem de diversas correntes, cores e ideias. Quanto à possibilidade de aparecerem provocadores policiais em actos de rua, essa é sempre uma probabilidade que não deve ser descurada em qualquer manifestação mas nada tem a ver com os anarquistas em particular, a não ser nas ideias um tanto provocatórias do articulista da Política Operária.

Esperemos que a Política Operária consiga ultrapassar algum dia os lugares comuns e as ideias preconcebidas quando fala dos anarquistas, pois, nesse aspecto, ao que parece, pouco avançaram desde os velhos tempos da cartilha de Stalin Contra o Anarquismo.

Saúde.

 

Lisboa, 8 de Agosto de 02

 

Manuel de Sousa (pelo Colectivo editorial da revista anarquista Utopia)

 

 

 

---------------------------------

 

Saúde também para ti companheiro,

 

Em primeiro lugar cabe esclarecer que, sendo eu embora colaborador permanente da ‘Política Operária’, não represento nem tipifico de modo algum a sua linha editorial e, muito menos, aquilo que possam ou não ser as suas afinidades electivas ou ódios de estimação, ideológicos e políticos. Todas as fobias patológicas que possam ser detectadas nos meus artigos são assim da minha responsabilidade exclusiva. Neste caso, porém, creio que a acusação é injusta. Eu já tenho escrito, em várias ocasiões, que, nesta fase histórica (isto é, encerrado o ciclo revolucionário do sec. XX), sou a favor de um renovado diálogo com os anarquistas. Mesmo que, eventualmente, nos tornemos a separar por discórdia em volta das mesmas questões essenciais (partido, fase de transição, etc.), vale sempre a pena o reencontro, porque estas questões põem-se agora num contexto diferente e a discussão pode e deve ser mutuamente enriquecedora. Podemos agora, talvez, discordar ainda, mas “melhor”.

 

Que houve (e possivelmente haverá no futuro) infiltrações de provocadores policiais entre os manifestantes anti-globalização mais violentos parece ser facto relativamente incontroverso. Está particularmente bem documentado nos casos de Barcelona e Génova. Bem documentado está também que o ambiente que a polícia tem julgado como ideal para as suas provocações é o proporcionado pelo chamado ‘Black Bloc’. O ‘Black Bloc’ é uma “tribo” de cultura juvenil que tem comparecido de forma particularmente numerosa e conspícua em todas as manifestações anti-globalização. Na verdade, a minha opinião é que lhe devemos bastante, no que respeita à própria génese deste movimento, pelo que bem podemos agora ter um pouco de paciência com os seus desatinos. No meu artigo caracterizei-o como o grupo dos “anarquistas enragés”. Porventura - dado o baixo nível de politização do ‘Black Bloc’ - a caracterização não será inteiramente correcta. Mas também não é abusiva pois grande parte dos seus líderes se qualifica de anarquista, autonomista, etc.. De todo o modo, não quis de modo algum englobar neste qualificativo todos os anarquistas. Por outro lado (segundo equívoco), não quis também de modo algum assinalar a minha preferência por manifestações “ordeiras”, no sentido de não-violentas.

 

A minha opinião é que, sempre que o Estado burguês imponha restrições ilegais e inconstitucionais à liberdade de manifestação e estas restrições sejam impostas de forma ameaçadora e provocante pelo seu aparato repressivo, devemos partir para a confrontação física. Mas esta confrontação deve ser muito mais organizada (“ordeira”?), participada, criativa e focalizada. Não deve dispersar-se aleatoriamente em puro hooliganismo, nem ser protagonizada exclusivamente por grupos de jovens militarizados e como que uniformizados. É certo que uma grande parte dos manifestantes nunca participará em qualquer episódio violento. Estes manifestantes não devem ser provocados por nós nem instrumentalizados como “escudos humanos” (prática muito comum do ‘Black Bloc’). Devemos deixar-lhes plena liberdade de seguir caminho pacificamente, aliciando a nós, isso sim, aquela parte das massas populares que revelar livre resolução de prosseguir na linha do confronto. Com estas, devemos então afrontar as linhas policiais, de cara descoberta, usando a força de grupo, certamente, mas também a persuasão, o diálogo, o humor, o happening, etc.. Se seguirmos esta linha de conduta, ver-se-á seguramente que as provocações policiais serão muito mais facilmente detectadas e isoladas.

 

 

Ângelo Novo

 

 

(*) Publicado na revista ‘Política Operária’, nº 86 (setembro-outubro de 2002).

 

 

 

 

Voltar à página principal

 

© 1997-2010 angelonovo@sapo.pt