para ti, como é óbvio
nesse tempo em que as evidências eram imarcescíveis
habitamos na margem do sal
na pobreza disjunta dos instantes sem lei
partilhamos com o próximo
o pão e a ciência do labor enxuto
a epopeia dos simples
enquanto os nossos corpos transumavam por mares iridescentes
demos a mão ao vento
uma claridade vertical nos suspendeu em lotus
lábios e anseios demorados foram a morada que nos acendemos
linda e revel eu te amei
descobrindo em ti da surpresa à maravilha
meu recomeço e amanhecer
as sete faces do luar em janeiro
os caminhos desaprumados
que nos levam revelam e enlevam
táteis segredos nos celebraram então a planura reacendida dos dias.
viajamos por certas e incertas rotas e derrotas
na margem do lago
um anel de fogo soprou a inconstância dos afetos
e fomos então livres
nus na circunscrição do ser
impudentemente imprudentes
sob essa anómala abóbada em cruenta expansão
plantamos uma jubilosa esperança
na contramão de constramestres e contrarregras
pulamos a cerca
acercamo-nos de nós
com desprevenida ternura
mão sobre a mão
no lado esquerdo da criação
átonos átomos em desequilíbrio vital
dissemos enfim as palavras que excedentemente nos habitavam
ai lobéu
cum tantum sciat esse basiorum
rumores oblíquos incisões singulares
teu púbis mareante
entre a mágoa e a demora
entre dezembro e alvor
entre ígneas escarpas e úberes planuras
partimos
em busca da inexcedível religação
a abetarda dançou com o alce
o silêncio o silêncio o silêncio sobre as casas
nossos passos que rompem agora a aurora de par em par
tal uma adaga impossível na boca de um louco.
as distâncias percorridas marcam agora uma inusitada simetria
beijamo-nos sem sobressalto
com a precisão de um jogo
uma e outra vez
somos o que nos leva nessa viração encantada
dizemos e calamos
o sopro que nos une e subtende
entre mar e sílica
nas cumeadas de rebentação imprevista
ir e vir
monção e sezão
barco para melinde
ocasos serenos raiados a vinho e canela
na plenitude circular dos acasos.
nossos caminhos nos fizeram caminhantes
uma promessa de ilimitada manhã ficou suspensa
em arcobotante
numa praia demasiado distante para acenos
em cerimónias mais puras e mais secretas do que nos foi permitido
pode um desejo imenso
arder no peito tanto
que não haja memória fóssil capaz de o contar
em sua líquida desmesura
vinte anos dissolvidos na infinitude
a ternura certa e precisa inserta em caótica eternidade
meia idade do homem
precário grito de dor lançado no turbilhão das eras
oh lançador dos dados do mundo
para reverte retoma o teu gesto
que eu possa segui-lo com olhos famintos e inconsoláveis
suspeitando sempre de tudo
mas não de ti meu amor
que a vida das cidades expluda nas minhas têmporas
a justiça seja cega surda e muda
macaqueando espadeiradas vãs no vazio dos templos
mas a esperança more sempre entre nós
como um sorriso respirado a meias
repentino e repetente
em nosso diário vicejar oblíquo
alegre acenar saltitante do fundo da rua
cada vez mais longínquo
mais confiante
ridículo e parolo como só nós sabemos sê-lo
entre a multidão que se dissolve passo contra passo
amarfanhada em amargura urbana
soubesse eu plantar entre o sémem das gerações
a luz de uma ideia clara
pudesse eu segurar ícaro pelos tornozelos
salvar veneza
ser um entre o povo que mais ordena
meu amor dá-me os teus braços
sustém esse instante e esse sopro em que emergimos do nada
sê o meu ser
vive a minha vida habita os meus hábitos
partamos agora
que o horizonte está rubro e pleno com dádivas imprevistas.
3.8.2016
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