A PÁGINA DE ÂNGELO NOVO

 
 

Da gaveta para fora

(*)
 
 Da gaveta
 

 

 

José Neves (org.)

Da gaveta para fora – ensaios sobre marxistas

Edições Afrontamento, Porto, Maio de 2006, 270 p.

 

 

É certamente uma boa notícia que se publiquem em Portugal ensaios de autores portugueses sobre alguns pensadores marxistas fundamentais do século passado. Da gaveta para fora, saíram assim, neste volume, artigos de alguns dos suspeitos do costume mas também de autores novos que se revelaram uma boa surpresa. Sinal dos tempos, em que parece já não ser forçoso cultivar o vício do marxismo na mais rigorosa clandestinidade. Que mil gavetas se abram, pois.

 

De entre os novos, merece destaque o próprio organizador do volume, José Neves, que contribui com um excelente ensaio sobre o historiador britânico E. P. Thompson (tão pouco conhecido entre nós), bem como Frederico Ágoas, com um magnífico ensaio sobre Gyorgy Lukács. Fernando Oliveira Baptista faz uma apresentação de Lenine sem grande valia ou rigor. De entre os autores já mais conhecidos, há também, naturalmente, peças de desigual interesse. O historiador António Louçã faz uma apresentação muito arguta e interessante da vida e obra de Rosa Luxemburgo. Manuel Gusmão apresenta algumas das teses mais peculiares e originais de Walter Benjamim. João de Almeida Santos tem dois artigos sobre António Gramsci, o primeiro dos quais sobre o crucial conceito político gramsciano de hegemonia. Gisela da Conceição debruça-se sobre a peculiar leitura de Marx feita por Louis Althusser. Francisco Louçã tem um artigo muito interessante sobre Ernest Mandel e a sua contribuição para a teoria dos ciclos longos da economia capitalista. O autor convidado, porque não português, neste volume é Michael Löwy, que se debruça sobre o pensador situacionista Guy Debord, reclamando-o para o marxismo.

 

O volume tem ainda uma segunda parte, intitulada “derivações”. Nela se pode ler uma entrevista original feita por José Neves a Toni Negri, o pensador italiano da autonomia operária que, depois de penar contas com a justiça devido às suas alegadas ligações com as Brigadas Vermelhas, se tornou um ícone de sucesso do movimento anti-globalização com livros e teses controversos de co-autoria com o norte-americano Michael Hardt. Michael Löwy regressa com um artigo sobre “A dialéctica marxista do progresso”, que é na verdade um capítulo de uma obra conjunta com Daniel Bensaid. Há ainda umas ‘Teses sobre Marx’ do Prof. José Bragança de Miranda, que são um momento de divagação poética inconsequente.

 

As “Seis notas de apresentação” de José Neves desenvolvem algumas reflexões interessantes, nomeadamente sobre as razões da persistente inexistência de uma literatura comunista em Portugal. Não podemos, porém, acompanhar o organizador deste volume quando manifesta a sua “reiterada desconfiança” na emergência de um “novo projecto histórico” de inspiração marxista, optando antes, ao que parece, por um espontaneísmo celebratório da actualidade e da contingência.

 

 

(*) Publicado na revista ‘Política Operária’, nº 108 (janeiro-fevereiro de 2007).

 

 

 

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