A PÁGINA DE ÂNGELO NOVO

 
 Coreia do Sul: triste tigre (*)
 
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No imediato pós-guerra, algumas burguesias do Terceiro-Mundo, nomeadamente latino-americanas, conseguiram atingir um certo grau de industrialização e crescimento económico através de uma política de substituição de importações. Imediatamente se abriu um concerto de doutrinas económicas e sociológicas "desenvolvimentistas" que culminaria com o famoso "The stages of economic growth - A non-communist manifesto" de Walt Whitman Rostow. Todas as nações da Terra conheceriam basicamente (ainda que em épocas diferidas no tempo) os mesmos períodos de arranque, ascensão e consolidação do desenvolvimento capitalista, na via de uma prosperidade global. As instituições financeiras mundiais ainda hoje destilam esta melopeia ideológica para adoçar as suas receitas.

 

Do lado do Manifesto Comunista, surgiu então a teoria do "desenvolvimento do subdesenvolvimento" (André Gunder Frank). O desenvolvimento capitalista é impossível em nações submetidas a relações neo-coloniais e de dependência estrutural. O seu mercado interno nunca crescerá harmoniosamente. Criar-se-á apenas um mercado para bens de consumo de luxo para as suas classes superiores compradorizadas (naturalmente, a única procura solvente), enquanto a esmagadora maioria da população trabalhadora se afundará mais e mais na pobreza e na sobre-exploração provocada pelos mecanismos da troca desigual. O crescimento da procura interna é atrofiado pela necessidade de manutenção dos baixos salários, base da competitividade das exportações. E é aqui que a teoria do desenvolvimento económico se encontra com a do imperialismo.

 

Entretanto, a fase eufórica da substituição de importações afogou-se num oceano de estagnação e dívidas internacionais. Um segundo fôlego do desenvolvimentismo abriu-se sob o signo das "políticas de exportação" em mercado livre. A partir de finais dos anos 70, esta política proclama um êxito espectacular personificado pelos quatro tigres asiáticos encabeçados pela Coreia do Sul. Afinal, o desenvolvimento é possível, desmentindo de uma vez por todas as Cassandras marxistas.

 

O espectacular crescimento da economia sul-coreana ao longo dos anos 80 deveu-se às políticas promovidas pela brutal ditadura militar de Chun Doo Hwan. Houve importações maciças de tecnologia japonesa e investimentos externos atraídos por uma mão-de-obra barata e ferreamente reprimida nas suas aspirações. Constituíram-se alguns grandes grupos industriais (as chaebols: Daewoo, Hyundai, Samsung, LG, etc.) que ganharam alguma margem de competitividade para os seus produtos no mercado mundial. Conseguiu-se alguma acumulação de capital. Mas o mercado interno permaneceu estagnado e os problemas para a economia sul-coreana começaram logo após a "primavera" política inaugurada por Roh Tae Wo e prosseguida agora por Kim Young Sam. As aspirações a um melhor nível de vida e as pressões internacionais conduziram a uma abertura aduaneira que rapidamente levou a balança comercial para o défice em 1991-92. A vantagem competitiva derivada dos baixos salários esboroou-se, sem que a indústria sul-coreana conseguisse consolidar uma única posição de vantagem qualitativa para os seus produtos (os chamados "nichos" de mercado). O crescimento desacelerou e a instabilidade social cresceu (1).

 

O modelo de desenvolvimento sul-coreano mostra hoje claramente os seus limites. Em toda a evidência, não conseguiu quebrar o círculo vicioso da dependência. Baseou-se em sucessivas importações de tecnologia e capital japoneses, os quais conseguiram facilmente manter-se sempre um passo à sua frente numa relação de claro domínio. Assim que as populações laboriosas intentaram chamar a si alguns dos benefícios do crescimento económico, os produtos industriais sul-coreanos viram-se preteridos no mercado mundial e os investimentos externos buscaram outras paragens mais dóceis e humildes. A acentuação do investimento em sectores virados para a exportação criou um tecido industrial desequilibrado e incapaz de responder à procura interna gerada. Nada hoje assusta mais as classes dirigentes deste país do que a perspectiva de reunificação com o Norte, pois a pressão económica das suas populações deprimidas facilmente afogará a frágil prosperidade alcançada.

 

Em todo o caso, mesmo o relativo sucesso alcançado pelos "tigres" asiáticos na colocação de produtos de alta tecnologia nos mercados mundiais deveu-se sem dúvida à tolerância das grandes potências monopolistas e imperialistas mundiais. Uma coisa é admitir o acesso de cidades-Estado como Singapura ou Hong-Kong, ou de uma pequena ilha como a Formosa – curiosamente, todos os nossos "tigres" são antigos troféus imperialistas e/ou bastiões de luta anti-comunista – a minúsculos nichos de mercado de produtos industriais de ponta, totalmente circunscritos. Outra totalmente diversa seria a admissão a um lugar da frente para países de grande massa populacional como o Brasil, a Nigéria ou a Índia, onde semelhantes êxitos fariam efeito de bola de neve. Um sector de alta tecnologia consolidado nos mercados mundiais arrastaria o desenvolvimento de outros conexos e outros ainda. Aí certamente seriam imediatamente tomadas à nascença as competentes medidas políticas que fechariam totalmente os mercados perante uma tal "agressão". O modelo de desenvolvimento baseado em políticas de exportação é mais uma história de fadas contada a preceito pelo imperialismo, mas só se tornará verdadeira (?), em termos muito restritos, para quem for pequenino, crédulo e virtuoso.

 

 

 

(*) Publicado na revista ‘Política Operária’, nº 42 (novembro-dezembro de 1993).

 

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NOTA:

 

(1) Chris Harman, 'Where is capitalism going? Part 2', International Socialism, nº 60, Outono 1993.

 

 

 

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